Em um vídeo que viralizou no último domingo, 30, um português oferece € 500 (cerca de R$ 3.190) “por cabeça de brasileiro”, reflexo da xenofobia enfrentada pela comunidade verde-amarela em Portugal. Na gravação, o homem anuncia a proposta, sem qualquer reticência: “Cada português que trouxer a cabeça de um brasileiro, desses zukas que vivem aqui em Portugal, estejam legais ou ilegais, cada cabeça que trouxer eu pago € 500”.
português oferece 500 euros pela cabeça de brasileiros que vivem em Portugal.
isso reflete as políticas xenofóbicas e racistas que hoje saem do Parlamento e ganham força nas ruas pic.twitter.com/XNYgAdzP12
— Stefani Costa (@sttefanicosta) August 30, 2025
A violência flagrante gerou revolta generalizada. A presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Ana Paula Costa, definiu o vídeo como “grave” e “expressão mais perversa, violenta e criminosa do discurso anti-imigração, do racismo e da xenofobia em Portugal”. As críticas foram endossadas pela fundadora da Associação de Apoio a Emigrantes, Imigrantes e Famílias (AAEIF), Sônia Gomes, formalizará a queixa e cobrou uma investigação séria do Ministério Público do país.
O homem foi identificado como um pasteleiro, cujo nome não foi divulgado, da Padaria Variante, em Aveiro. Em comunicado, o estabelecimento informou que “a pessoa envolvida nos vídeos que têm circulado já não faz mais parte da nossa equipa (equipe, no português de Portugal)”, acrescentando: “Não aceitamos nem compactuamos com qualquer forma de racismo. Agradecemos a compreensão de todos e seguimos de portas abertas para vos receber sempre com respeito e carinho”.
Atualmente, Portugal tem 1,6 milhão de residentes estrangeiros — cerca de 15% da população total —, número que quase triplicou desde 2019, de acordo com a Agência para a Integração, Migração e Asilo de Portugal. Desses, cerca de 500 mil são brasileiros. De acordo com o Ministro da Presidência de Portugal, António Leitão Amaro, as mudanças são “essenciais para os tempos em que vivemos”.
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Cerco à imigração
Em julho, o Parlamento de Portugal aprovou nesta quarta-feira, 16, um conjunto de medidas para endurecer as regras de imigração. A proposta, que altera as Leis da Nacionalidade e da Imigração para restringir o acesso à cidadania, deve impactar milhares de brasileiros que vivem no país.
A principal mudança proposta pelo governo português é na Lei da Nacionalidade, com a ampliação do tempo mínimo de residência exigido: brasileiros e cidadãos de países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) terão de esperar sete anos — antes eram cinco. Para demais estrangeiros, o tempo será elevado para dez anos, o dobro do atual. Também será exigida uma presença efetiva em território nacional, sendo que o tempo vivido em situação irregular deixará de contar para esse processo.
Um outro ponto envolve a revisão das Leis de Estrangeiros e de Asilo, que pretende restringir a concessão de vistos de procura de trabalho a candidatos altamente qualificados. Portanto, pessoas com baixa escolaridade devem enfrentar dificuldades em regularizar a situação. Além disso, o governo quer passar a exigir comprovação de conhecimento da língua e da cultura portuguesas como condição para obtenção da nacionalidade.
Nem os filhos de imigrantes que nascerem em Portugal teriam a nacionalidade garantida: a proposta prevê o fim da cidadania automática por berço. As novas leis estenderiam para dois anos o período em que um imigrante precisa viver de maneira regular em Portugal antes que possa trazer a família para o país ou naturalizar um filho nascido em solo português (além de acabar com a possibilidade de que turistas brasileiros sem visto peçam autorização de residência).
Ou seja, as regras para o reagrupamento familiar ficariam mais duras. Apenas menores de 18 anos poderão se legalizar por meio do reagrupamento familiar já estando em Portugal, uma possibilidade que passaria a ser vedada a cônjuges e filhos maiores, mesmo que dependentes dos pais, como estudantes universitários. Antes, grande parte das famílias podiam viajar juntas devido a um visto de trabalho, por exemplo, do pai ou da mãe, e depois faziam o pedido de reagrupamento já no país.
O projeto cria ainda uma força policial voltada exclusivamente para controle de fronteiras, a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (Unef), e prevê que imigrantes que cometam crimes graves tenham a cidadania revogada.
No início do mês, o governo português notificou quase 34 mil imigrantes em situação irregular para que deixem o país de forma voluntária. Entre eles estão quase 5,4 mil brasileiros — o segundo maior grupo, atrás apenas dos indianos. A decisão afeta estrangeiros que tiveram seus pedidos de residência negados pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) por não atenderem aos critérios legais.