A luta de Heleninha Roitman (Paolla Oliveira) contra o alcoolismo, em Vale Tudo, escancara as dificuldades de lidar com os altos e baixos de um vício. No início da trama, a artista plástica aparece sóbria, recuperada de uma internação de quatro meses em uma clínica de reabilitação – mas basta a mãe, Odete Roitman (Debora Bloch), aparecer que a personagem tem a primeira de muitas recaídas. Recentemente deixada por Ivan (Renato Góes) logo após voltarem de uma viagem de quatro meses em Roma, ela mergulhou novamente no álcool: foge de casa, compra uma garrafa de uísque, já bêbada vai a um bar para outra dose e, quando tem o pedido negado, quebra todo o estabelecimento.
É com essas cenas na novela das nove da TV Globo, que o tema volta ao debate, entre a dor e a dificuldade de lidar com a doença. Segundo a psicóloga clínica e ex-presidente do Alcoólicos Anônimos do Brasil, Lívia Pires Guimarães, o alcoolismo mostra suas garras aos poucos. “Todas as drogas, inclusive o álcool, vão atuar no sistema de recompensa, o que faz o cérebro privilegiar a substância em detrimento das outras. Quando o cérebro prefere a substância é que vemos um problema: a pessoa escolhe o álcool em detrimento do filho, causando prejuízo à família, comprometendo a saúde, tendo problemas na justiça… Quando isso acontece, significa que a doença já está grave”, diz à coluna GENTE.
Lívia explica que o alcoolismo é uma doença crônica e sem cura, mas por ser mais sutil que outras drogas, o usuário demora a perceber os prejuízos causados por ela. No caso de Heleninha, o vício é ainda mais difícil de se controlar: diagnosticada com bipolaridade, o uso abusivo aparece quando há um desequilíbrio no humor. “O transtorno bipolar é uma doença mental onde a pessoa oscila entre hipomania ou mania e depressão. Na hipomania ela fala demais, fica eufórica, tem ideias de grandiosidade, faz promessas que não pode cumprir e pode adquirir dívidas. Já na depressão, que normalmente vem após um quadro maníaco, a pessoa se afunda e, dependendo da gravidade, pode levá-la ao suicídio”, afirma. Casos como o da Heleninha, em que ambos diagnósticos se juntam, são comuns. “O alcoolismo é uma comorbidade muito prevalente no transtorno bipolar. Tratando a bipolaridade, o padrão alcoólico pode melhorar”, acrescenta.
Segundo a psicóloga, as recaídas de Heleninha estão ligadas às frustrações que passa. A turbulenta relação com a mãe, a saudade do filho e o fim da relação com Ivan foram motores para ela buscar o álcool – uma válvula de escape. “O gatilho é a frustração e isso é relativamente comum em pessoas alcoólicas, elas têm uma baixíssima tolerância à frustração. O tratamento ajuda na autorregulação emocional e a faz buscar novos recursos para lidar com essas situações e para entender o que é a bipolaridade e o alcoolismo. As pessoas acham que alcoolismo é só beber, e não é isso”
Na trama original, em que a personagem é interpretada por Renata Sorrah, a herdeira dos Roitman busca ajuda no Alcoólico Anônimos ao ver que a sua já prejudicada relação com o filho Tiago (Pedro Waddington) está ainda mais debilitada. Essa busca por ajuda, para Lívia, será positiva por colocar à tona a discussão e abrir portas para uma maior conscientização sobre a doença. “Com a novela mostrando essa luta, acreditamos que terá uma resposta positiva e um aumento nas buscas pelo AA. O alcoolismo é muito estigmatizado pela sociedade. Quando os personagens quebram esses estigmas, eles encorajam alguém a buscar ajuda”, completa. Nunca é tarde para buscar ajuda.