counter Vacinas se consagram como ‘nova arma’ contra infartos – Forsething

Vacinas se consagram como ‘nova arma’ contra infartos

Desde 2015, o Brasil enfrenta uma queda contínua nas coberturas de praticamente todas as vacinas obrigatórias do Programa Nacional de Imunização (PNI). O cenário piorou na pandemia e, apesar de algum ‘fôlego’ nos últimos dois anos, ainda estamos longe do ideal.

Boa parte dessa crise tem raízes no próprio contexto pandêmico. Ou melhor, na quantidade de desinformação que se espalhou a partir desse período. Apesar de uma pilha de estudos mostrando a segurança das vacinas contra a covid-19, elas foram (e continuam sendo) alvo de boatos dos mais variados.

Um dos que mais pesam é o de que esses imunizantes estariam por trás do aumento de casos de infarto. A falácia ganhou força, se espalhou e, pior, contaminou a percepção sobre outras vacinas também.

Porém, um novo documento elaborado pela Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) – uma das principais referências em saúde cardiovascular – reforça uma perspectiva muito diferente disso: as vacinas podem, e devem, ser vistas como ferramentas de prevenção dos riscos ao coração. O que a entidade propõe é que a vacinação seja reconhecida como o “quarto pilar” de prevenção ao lado dos já consolidados, como controle de hipertensão, do colesterol e da glicose.

“A vacinação reduz significativamente o risco de eventos cardiovasculares adversos maiores, como infarto, AVC e morte cardiovascular, especialmente em grupos de risco”, aponta o relatório, elaborado com apoio de três associações da própria ESC: a de prevenção, a de cuidados agudos e a de insuficiência cardíaca.

Para o cardiologista Audes Feitosa, presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o posicionamento da entidade é “extremamente oportuno e, no contexto brasileiro, quase um grito de alerta”. Ele ressalta o paradoxo que vivemos: ao mesmo tempo em que as doenças cardiovasculares seguem como a principal causa de morte no Brasil, há uma queda séria nos índices vacinais, inclusive em grupos de risco. “A diretriz da ESC deixa claro que vacina é uma forma de proteger o coração. Não é mais só sobre evitar infecções”, destaca Feitosa.

Continua após a publicidade

A infecção, não a vacina, é o problema

A ideia de que vacinas causam infarto vem, na verdade, de uma confusão que tem um fundo de verdade. Já se sabe que algumas infecções, como a gripe e a covid-19, aumentam o risco de problemas no coração. Mas é importante deixar claro: o vilão da história não é a vacina, e sim a própria infecção.

“Infecções respiratórias e sistêmicas podem afetar o coração de várias maneiras”, explicam os especialistas da sociedade europeia. Isso porque elas aumentam a demanda de oxigênio do músculo cardíaco, ativam processos inflamatórios que podem desestabilizar placas de gordura nas artérias e ainda prejudicam o funcionamento do coração, o que pode levar à insuficiência cardíaca.

Traduzindo: quando o corpo está lutando contra uma infecção mais pesada, como uma gripe forte ou a covid-19, o coração precisa fazer hora extra. Ele trabalha mais para garantir oxigênio ao organismo — e, se já houver placas de gordura nas artérias, esse esforço extra, junto da inflamação, pode desestabilizar a região e causar um rompimento. É nesse processo que o risco de infarto ou de outras complicações, como o AVC, aumenta.

“A associação entre vacina e infarto tem sido equivocada. Em muitos casos, o infarto é favorecido tanto pelas infecções, como também por uma série de causas subjacentes, como tabagismo, dislipidemia, uso de anabolizantes e fatores genéticos. A vacina, no entanto, acaba virando bode expiatório”, analisa Feitosa.

Continua após a publicidade

Vale ressaltar que os impactos das infecções ao coração não são exclusivos da gripe ou da covid-19. Segundo os especialistas por trás do documento, outros patógenos, como vírus sincicial respiratório (VSR), herpes-zóster, adenovírus e até bactérias como a clamídia podem aumentar o risco cardiovascular.

Ou seja, quando existe vacinação, o que acontece é justamente a redução das chances de pegar uma infecção que poderia sobrecarregar o coração. Mesmo assim, a adesão à vacina da gripe — uma das mais importantes nesse contexto — segue baixa no Brasil. Em 2024, apenas 41% da população-alvo foi imunizada, segundo o Ministério da Saúde, ficando bem distante da meta de 90%.

Essa baixa cobertura preocupa ainda mais quando consideramos os grupos mais vulneráveis. “Pessoas com doenças cardíacas não são as únicas em maior risco”, lembra Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Também fazem parte dessa lista pessoas com doenças respiratórias crônicas, diabetes, obesidade, imunossupressão, doença renal crônica e idosos. Em todos esses casos, o corpo já enfrenta desafios para funcionar bem, e uma infecção pode ser gatilho para complicações graves, inclusive no coração.

“Ainda não temos vacina para muitos vírus, mas para alguns, como influenza, vírus sincicial, herpes-zóster e covid-19, já existe prevenção e muitas vezes gratuita. Por isso, reforço a importância da vacinação, especialmente entre os grupos de risco. E ainda mais entre quem pertence a mais de um grupo, como idosos com doenças cardíacas”, destaca a especialista.

Continua após a publicidade

Herpes-zóster e demência

Além de contribuir para a redução do risco cardiovascular, um estudo publicado em abril deste ano na revista Nature também mostrou que a vacina contra o herpes-zóster está associada a uma diminuição de 20% no risco de desenvolvimento de demência, reforçando hipóteses já levantadas por pesquisas anteriores. “Foi uma descoberta realmente marcante”, disse Pascal Geldsetzer, professor assistente da instituição e autor do estudo. “Esse enorme sinal de proteção estava lá, não importava de que forma você analisasse os dados.”

Segundo a pesquisa, sete anos após a vacinação, um em cada oito indivíduos que não receberam a vacina desenvolveu demência. Já entre os vacinados, essa taxa foi 20% menor.

Uma das hipóteses levantadas está relacionada ao próprio mecanismo do herpes-zóster, causado pelo mesmo vírus que provoca catapora em crianças e adultos. “Após a catapora, o vírus não vai embora, ele permanece latente no corpo, como se estivesse dormente dentro dos nervos”, explicou Paulo Gewehr, infectologista e coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento, à VEJA. “Quando é reativado, geralmente em idosos, provoca dor intensa e feridas na pele, o famoso cobreiro.”

Como o vírus — conhecido entre cientistas como varicela-zóster — tem grande afinidade por células do sistema nervoso, os pesquisadores suspeitam que, ao ser reativado, ele não apenas cause as lesões cutâneas, mas também possa provocar danos em outras regiões do sistema nervoso.

Continua após a publicidade

Por enquanto, os dados não permitem afirmar com certeza que a vacina foi a responsável direta pelo efeito observado, mas os especialistas estão confiantes de que essa relação será confirmada em breve. “O estudo utilizou uma abordagem científica muito rigorosa”, destacou Gewehr. “Isso nos dá mais segurança para dizer que a vacina, de fato, ajudou a prevenir ou retardar a demência e não que o resultado tenha sido causado por outros fatores.”

Reações adversas às vacinas

É importante lembrar que vacinas, como qualquer intervenção médica, podem causar efeitos colaterais. Mas os benefícios são bem maiores. “Reações graves são raras: ocorrem em menos de 10 pessoas a cada 100 mil vacinados”, destacam os especialistas da entidade europeia.

No caso da vacina contra a covid-19, por exemplo, o risco de desenvolver miocardite por causa do próprio vírus é seis vezes maior do que o risco associado à vacina, segundo explicam os pesquisadores.

A entidade lembra ainda que a vacinação “está entre as maiores conquistas da medicina baseada em evidências” e alerta para a necessidade de mudar o paradigma de responsabilidade. “Vacinar não deve ser exclusividade da atenção primária. Cardiologistas, clínicos, intensivistas e profissionais de todas as frentes devem aproveitar cada oportunidade de contato para vacinar.”

Continua após a publicidade

Compartilhe essa matéria via:

 

Publicidade

About admin