counter Vacilo perigoso: por que os jovens de hoje usam cada vez menos camisinha – Forsething

Vacilo perigoso: por que os jovens de hoje usam cada vez menos camisinha

O advento da camisinha significou uma revolução no campo da sexualidade muito antes de ela se revestir de material sintético e evoluir no design. O primeiro registro da existência de algo parecido foi no século XVI, quando a proteção era feita à base de linho embebido em soluções químicas, material ainda frágil que viria a avançar rumo ao látex, uns trezentos anos mais tarde. Uma enxurrada de métodos contraceptivos se somou à lista de opções, como pílulas e DIUs, mas nenhum outro, segundo especialistas, é tão potente na prevenção de doenças e da gravidez ao mesmo tempo. Nos anos 1980, enquanto a humanidade era apresentada à epidemia da aids, que tantas vidas ceifou, houve um bem-vindo boom das camisinhas, alçadas a símbolo de segurança. Foi uma conquista inequívoca e se firmou como hábito mundo afora, mas isso vem mudando, numa daquelas chacoalhadas no terreno do comportamento que fazem acender um alerta.

Um abrangente estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), depois de ouvir 250 000 adolescentes de 15 anos em 42 países, deu os números àquilo que já se observava: entre os meninos, o uso de preservativos caiu dos 70% registrados em 2014 para atuais 61%; entre as meninas a curva encolheu de 63% para 57%, delineando uma preocupante tendência. Na última relação sexual, um de cada três entrevistados admitiu não ter recorrido à camisinha. O Brasil ecoa o fenômeno: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar do IBGE revela retrocesso ainda mais espantoso, com a turma que abraça o preservativo reduzida de 72,5% para 59% em uma década — reversão na clara ascensão do método verificada até 2005 pelo Ministério da Saúde. Para quem estuda o tema, o argumento para despertar a juventude para a importância da camisinha precisa ser outro nos dias de hoje. “Devemos martelar a tecla da saúde sexual e da prevenção sem terrorismo, já que não há mais o pavor do HIV”, afirma Claudia Moura, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

arte camisinhas

Uma razão elencada para as baixas no grupo dos que se protegem tem a ver com uma característica definidora da jovem geração Z e da alfa, que reúne os adolescentes: a incessante busca por realização imediata nos vários escaninhos da vida, pendor que adentra o campo da sexualidade. “Vivemos na era do prazer instantâneo e do narcisismo, em que o jovem, voltado para o aqui e agora, se vê imortal, como se nada pudesse acontecer com ele”, analisa o antropólogo Bernardo Conde, da PUC-Rio. As redes sociais acabam por conferir tintas mais fortes a tal comportamento, ao criar uma ilusão de intimidade, como se frequentar o perfil de uma pessoa fosse garantia de que o sexo com ela não trouxesse qualquer risco. Aos 23 anos, o especialista em marketing R.M., que preferiu não se identificar, como outros que falaram à reportagem de VEJA, compõe a patota que não vê problemas no sexo sem camisinha. “Tenho bem mais prazer sem preservativo e acredito que as companheiras também”, justifica ele, que se sente protegido pelo círculo firmado no ambiente virtual. “Com as redes, todo mundo se conhecendo, acho que a confiança aumentou”, diz, sem atentar para os perigos embutidos.

Estudiosos detectam ainda uma pressão masculina para o abandono do método, com velhos argumentos tais como “camisinha reduz a sensibilidade”, “atrapalha a performance” ou “quebra o clima”. Sobrevive também ao vendaval dos tempos modernos uma antiga ideia de virilidade, como se “homem de verdade” não precisasse dessas coisas. Nesta dinâmica, muitas jovens relatam ceder por temer conflitos ou mesmo rejeição. “Com o avanço das pautas femininas, as meninas sentem que podem fazer sexo com mais liberdade, mas a negociação desigual sobre proteção permanece, e elas precisam vencer o medo de se posicionar”, alerta a ginecologista Beatriz Tupinambá. Às vezes, só a passagem do tempo traz a segurança necessária. “Confesso que já concordei em não usar camisinha por receio de perder o parceiro. Uma vez, saí com um cara que colocou o preservativo na minha frente, mas durante o ato tirou sem me avisar”, lembra a massoterapeuta F.A., 28 anos, que aprendeu a dizer não. A atitude do rapaz, aliás, pode ser enquadrada no rol dos crimes de “natureza íntima” em vários países — o Brasil entre eles.

Continua após a publicidade

MUDANÇA DE HÁBITO - A auxiliar de escritório Mariana Cristina de Freiria, 20 anos, costumava deixar a camisinha de lado para não ter obstáculos ao prazer. Hoje, é adepta do método. “Já tive muito medo de contrair doença ou engravidar”, conta.
MUDANÇA DE HÁBITO – A auxiliar de escritório <strong>Mariana Cristina de Freiria</strong>, 20 anos, costumava deixar a camisinha de lado para não ter obstáculos ao prazer. Hoje, é adepta do método. “Já tive muito medo de contrair doença ou engravidar”, conta../Arquivo pessoal

Todos os manuais da medicina sustentam que, em meio à diversidade de métodos contraceptivos, a camisinha é o único capaz de proteger de vírus e bactérias causadores de doenças como HIV, sífilis, hepatite B, clamídia e HPV — muitas delas silenciosas no início, mas com graves consequências a longo prazo. Na hora da animação, não raro é o impulso que faz gente guiada pela racionalidade atropelar o bom senso e subestimar os riscos. “Transava sem camisinha e ficava com medo de contrair uma doença ou engravidar. Fui então me tornando mais atenta e resolvi começar a me proteger”, conta a auxiliar de escritório Mariana Cristina de Freiria, 20 anos, que observa integrantes de sua geração tendo acesso ilimitado à informação, “mas nem sempre isso se traduz em responsabilidade”. Que os representantes da turma Z, tão voltada para a ideia de colocar o cuidado consigo em primeiro lugar, não vacilem em terreno tão cheio de perigos e mostrem na próxima aferição da OMS que entenderam a lição.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2025, edição nº 2952

Publicidade

About admin