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Uma dieta saudável é acessível? Veja o que dizem os números

Priorizar verduras, legumes, frutas, grãos integrais e proteínas magras — especialmente de origem vegetal —, além de óleos vegetais, enquanto se reduzem ao máximo as gorduras saturadas e o açúcar, parece ser a resposta para a clássica pergunta: “O que é uma dieta saudável?”.

Em essência, trata-se de valorizar alimentos in natura e minimamente processados, limitando o consumo de ultraprocessados ricos em açúcar, sódio e gorduras de baixo valor nutricional.

Embora essa definição possa soar simplista — e até frustrante, diante da mística em torno de soluções milagrosas que prometem performance física excepcional, emagrecimento instantâneo ou a cura de doenças —, sabemos, consciente ou inconscientemente, distinguir o que é saudável do que não é. Claro que variáveis como frequência de consumo, gasto calórico e nível de atividade física dificultam uma definição única do que seria “saudável”. Ainda assim, para a população em geral, essa visão mais objetiva continua sendo amplamente aceita.

Esse consenso fácil esconde uma questão complicada: optar por alimentos saudáveis pode sair caro. De acordo com levantamento realizado em 2024, 35,4% da população mundial (o equivalente a 2,826 bilhões de pessoas) não conseguiria bancar uma dieta saudável em 2022.

Segurança alimentar

No ano passado (2024), as agências FAO, World Food Programme, OMS, Unicef e o International Fund for Agricultural Development publicaram o relatório The State of Food Security and Nutrition in the World: 2024.

Entre os principais achados, a avaliação da fome global em 2023, medida pela prevalência da subalimentação, um dos indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), revelou estagnação. Após o aumento entre 2019 e 2021, durante a pandemia de covid-19, a fome mundial permaneceu praticamente no mesmo nível por três anos, atingindo 9,1% da população global em 2023. Isso representa entre 713 milhões e 757 milhões de pessoas subalimentadas (condição em que a pessoa apresenta uma alimentação insuficiente em calorias e nutrientes), cerca de 152 milhões a mais do que em 2019.

O indicador de custo de uma dieta saudável (CoHD, na sigla em inglês) fornece estimativas nacionais do custo da dieta mais barata possível que atenda às exigências energéticas e nutricionais utilizando alimentos disponíveis localmente. Comparado com a distribuição de renda nacional, o indicador permite estimar a parcela da população que não consegue pagar por uma dieta saudável.

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Verificou-se que o CoHD tem aumentado globalmente desde 2017 — primeiro ano para o qual a FAO divulgou estimativas — e continuou em alta até 2022, último ano com dados disponíveis, quando atingiu o pico de US$ 3,96 em paridade de poder de compra (PPC) por pessoa, por dia. O CoHD médio global subiu 6% entre 2020 e 2021, e 11% de 2021 para 2022.

Em termos regionais, o CoHD foi mais alto na América Latina e no Caribe (US$ 4,56), seguido pela Ásia (US$ 4,20) e, em último lugar, pela Oceania (US$ 3,46).

Apesar do aumento no CoHD, o número de pessoas que não consegue arcar com os custos de uma dieta saudável caiu entre 2020 e 2022. Em 2022, estima-se que 35,4% da população mundial — cerca de 2,83 bilhões de pessoas — eram incapazes de pagar por uma alimentação saudável, em comparação com 36,4% (2,88 bilhões) em 2021.

O ritmo desse ganho tem sido mais lento nos países de baixa renda. Nessa faixa, uma dieta saudável esteve fora do alcance de 503,2 milhões de pessoas em 2022 — o maior número desde 2017.

‘Healthy Diet Basket’

Publicado na revista científica Nature Food, o artigo “The Healthy Diet Basket is a valid global standard that highlights lack of access to healthy and sustainable diets” teve como objetivo validar a Healthy Diet Basket (ou “Cesta da Dieta Saudável”) como um padrão de custo para uma dieta saudável e sustentável. Os autores avaliaram se suas características nutricionais são compatíveis com as diretrizes alimentares nacionais e se seu impacto ambiental se equipara ao da dieta de referência EAT-Lancet.

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A Healthy Diet Basket (HDB) é um instrumento desenvolvido para refletir os pontos em comum entre diversas diretrizes alimentares nacionais ao redor do mundo. Ela é composta por seis grupos alimentares (alimentos ricos em amido; vegetais; frutas; alimentos de origem animal; leguminosas, nozes e sementes; e óleos e gorduras) nas proporções recomendadas por essas diretrizes (por exemplo, 160 kcal provenientes de frutas; 110 kcal de vegetais), sendo padronizada para uma dieta de 2.330 kcal — aproximadamente a necessidade calórica de uma mulher ativa de 30 anos.

Para a realização da pesquisa, os autores identificaram os requisitos nutricionais específicos de diversas diretrizes nacionais, da própria HDB e da dieta EAT-Lancet. Os preços dos alimentos, utilizados para o cálculo do custo, foram obtidos do International Comparison Program — um conjunto de dados que fornece preços médios, nacionalmente representativos, de uma ampla variedade de alimentos em 173 países, com base no ciclo de 2021, o mais recente disponível até então.

Cada alimento foi associado a tabelas nutricionais para estimar seu conteúdo calórico e porção comestível. A partir disso, calcularam-se os desfechos nutricionais e ambientais das dietas de menor custo que atendem à HDB, às diretrizes alimentares nacionais e à dieta EAT-Lancet. Foram também estimadas as emissões de gases de efeito estufa e o uso de água.

O custo médio diário de uma dieta saudável baseada na HDB foi de US$ 3,68, ligeiramente inferior ao das outras diretrizes, mas ainda acima da linha de pobreza extrema (US$ 2,15 dólares/dia). O custo de uma dieta saudável, ajustado por paridade de poder de compra, não varia sistematicamente segundo a renda nacional bruta per capita nem os gastos alimentares per capita.

Nos países de baixa renda, a maioria gasta menos do que o CoHD; em países de renda média, os gastos se aproximam; e nos de alta renda, ultrapassam com folga esse valor. Em média global, frutas e vegetais respondem por 40% do custo; alimentos de origem animal, 28%; leguminosas, oleaginosas e sementes, 11%; alimentos ricos em amido, 16%; e óleos, 5%.

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O estudo mostra que o CoHD ultrapassa US$ 3 por pessoa/dia, enquanto a linha de pobreza extrema só permitiria, no máximo, US$ 1,35 para alimentação. Isso evidencia que o método atual para definir pobreza ignora o custo real de uma dieta saudável. Outro ponto relevante é que pessoas com dietas mais saudáveis gastam mais, não por escolha, mas por não disporem de renda suficiente para manter esse padrão.

E no Brasil?

Embora a literatura científica sobre o tema ainda seja relativamente escassa, foi publicado em 2021, na Revista de Saúde Pública, o estudo “Custo de uma alimentação saudável e culturalmente aceitável no Brasil em 2009 e 2018”, que, como o nome sugere, teve como objetivo estimar o menor custo de uma alimentação saudável e culturalmente aceitável para a população brasileira em diferentes estratos de renda, bem como sua evolução entre os períodos de 2008-2009 e 2017-2018.

Para isso, foram utilizados os dados dos Inquéritos Nacionais de Alimentação (INA), realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O custo médio diário por pessoa foi R$ 4,96 (2008–09) e R$ 9,18 (2017–18). No modelo 1 (ajuste apenas em frutas e hortaliças), o custo foi R$ 4,62 (2008–09) e R$ 8,69 (2017–18). No modelo 2 (restrições nutricionais para prevenir doenças crônicas), o custo subiu para R$ 5,08 e R$ 9,87.

Infelizmente, não há nenhum estudo que analise especificamente o período a partir de 2019. Contudo, foi publicada uma pesquisa conduzida pelo Instituto Pacto Contra a Fome, em parceria com o Núcleo de Epidemiologia e Biologia da Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que analisou dois meses distintos e traz um pouco do cenário atual.

De acordo com o relatório “Boletim Mensal: Monitoramento da Inflação dos Alimentos no Brasil — Maio de 2025”, a inflação dos alimentos continua elevada, afetando especialmente famílias vulneráveis, mesmo com desaceleração do IPCA (0,43% em abril, 0,56% em março), que acumulou 5,53% em 12 meses.

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Ao analisar o preço dos alimentos saudáveis, foi usada a cesta NEBIN, composta principalmente por alimentos in natura e minimamente processados, seguindo as diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira e da Comissão EAT-Lancet, que em 2019 publicou uma proposta de dieta de referência mundial.

Em abril de 2025, a cesta NEBIN custava R$ 432 por pessoa. De acordo com dados do IBGE divulgados no dia 8 de julho e referentes a 2024, o rendimento médio per capita do brasileiro é de R$ 2.020. Em outras palavras, a cesta adequada representa 21,4% do orçamento médio das famílias.

Mais de 10% da população têm renda per capita inferior ao custo da cesta adequada, o que equivale a 21,7 milhões de pessoas. Além disso, mais de 30% gastariam mais da metade do rendimento para seguir essa dieta.

O relatório de julho, mesmo diante de inúmeras incertezas internacionais, como o “tarifaço” anunciado pelo presidente americano Donald Trump, demonstra que estamos, ao menos, em uma posição um pouco melhor do que a enfrentada em abril.

De acordo com essa atualização, a combinação entre câmbio valorizado, contenção parcial dos preços administrados e recomposição da massa salarial gerou um alívio parcial no custo da alimentação para as famílias mais pobres, ao mesmo tempo em que mantém um desafio estrutural: a prioridade nos gastos entre habitação e saúde em contraposição ao acesso à alimentação adequada em áreas vulneráveis.

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Ao analisar o preço dos alimentos saudáveis, com base na cesta NEBIN, constatou-se que, em junho de 2025, o custo da cesta alcançou R$ 423, o menor valor encontrado no último trimestre.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017–2018, itens básicos como arroz e feijão apresentam elasticidade-renda próxima de zero entre os mais ricos, ou seja, o consumo permanece praticamente inalterado com o aumento da renda. Já entre os mais pobres, essa elasticidade ainda é positiva, indicando que o aumento de renda leva a uma elevação no consumo desses alimentos. Esse comportamento ajuda a equilibrar os custos com despesas fixas, como energia elétrica e água.

Alimentos mais nutritivos e de maior valor agregado, como frutas, laticínios, hortaliças e pescados, apresentam elasticidade-renda superior a 1 entre as famílias de menor renda, o que evidencia alta sensibilidade ao poder de compra e maior impacto no orçamento alimentar.

Dessa forma, observa-se que a população mais vulnerável, ao menos no momento em que este artigo é escrito, dispõe de um pouco mais de recursos para adquirir alimentos considerados mais saudáveis e nutritivos.

Dito isso, é preciso deixar claro: o acesso à alimentação saudável, o que em tese é um direito fundamental de todos, continua sendo um privilégio. Estamos em uma posição – um pouco – mais confortável do que antes, mas ainda há um longo caminho pela frente.

* Mauro Proença é nutricionista e colaborador da Revista Questão de Ciência, onde o texto foi originalmente publicado

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