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Um novo momento diante do Alzheimer: quando o tempo deixa de ser inimigo

Durante o CTAD 2025 – Clinical Trials on Alzheimer’s Disease, evento científico realizado há pouco em San Diego, nos Estados Unidos, um endocrinologista, um neurologista, um psiquiatra e um geriatra acompanharam, lado a lado, os avanços mais relevantes da ciência sobre a principal causa de demência no mundo.

Entre sessões científicas, debates e dados contundentes, ficou evidente que o momento histórico exige uma mudança de narrativa. Decidimos unir nossas perspectivas e escrever juntos este texto, traduzindo para o leitor uma transformação profunda que já está em curso.

Durante décadas, a doença de Alzheimer foi encarada como tendo um desfecho inexorável: diagnóstico tardio, seguido de perda progressiva da memória, da autonomia e da identidade. Hoje, essa narrativa começa a mudar.

Não porque tenhamos encontrado uma cura milagrosa, mas porque aprendemos algo ainda mais poderoso: o Alzheimer é um processo contínuo, silencioso, que se inicia muitos anos antes dos primeiros esquecimentos e, exatamente por isso, pode ser identificado, acompanhado e, cada vez mais, modificado.

Esse novo olhar exige abandonar a lógica do “tudo ou nada” e adotar uma visão integrada, que une profissionais de diferentes áreas da medicina. Afinal, o cérebro envelhece dentro de um corpo ativo do ponto de vista metabólico, vascular, inflamatório e hormonal.

Não pode existir um cérebro sadio em um corpo não saudável. E é nesse terreno que a doença começa a se desenhar.

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A Geriatria traz a perspectiva do tempo longo, não apenas da doença, mas da vida. O grande legado médico do século XX foi o envelhecimento populacional. Ao alcançarmos a longevidade, ocorreu simultaneamente o aumento exponencial dos diagnósticos de doenças neurodegenerativas, entre elas as síndromes demenciais, especialmente o Alzheimer.

Na prática geriátrica, o rastreio cognitivo faz parte da rotina, assim como a atuação preventiva sobre fatores de risco modificáveis. Vivemos, hoje, um verdadeiro “Golden Age” no estudo do Alzheimer.

Após duas décadas sem novas aprovações, 2023 marcou a liberação do lecanemabe e 2024 do donanemabe, ambos anticorpos monoclonais que atuam contra as placas amiloides relacionadas à doença. Em 2025, há 182 ensaios clínicos em andamento, investigando 138 drogas diferentes.

Esse avanço caminha lado a lado com uma revolução diagnóstica. Biomarcadores plasmáticos ganharam protagonismo. Em 2025, a dosagem da proteína tau fosforilada (p-Tau 217) foi aprovada pela FDA, e painéis combinando marcadores amiloides e genéticos receberam designação de inovação. Pela primeira vez, torna-se viável identificar a doença em estágios iniciais, quando ainda há margem real para retardar sua progressão e preservar qualidade de vida.

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Na Neurologia, o avanço no entendimento do Alzheimer tem transformado radicalmente a forma como encaramos o diagnóstico da doença. Hoje, não dependemos apenas da avaliação clínica tardia: contamos com testes cognitivos estruturados, biomarcadores em líquor e sangue e exames de imagem capazes de identificar alterações cerebrais anos antes do aparecimento dos sintomas mais graves.

Esse movimento marca a chegada da medicina de precisão, permitindo diagnósticos mais seguros, estratificação de risco e decisões terapêuticas individualizadas, com maior chance de impacto real para cada paciente.

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Infográfico resume evolução no diagnóstico e manejo do AlzheimerIlustração: Luiz Dieckmann/Reprodução

Essa antecipação do diagnóstico não é apenas tecnológica, ela é clínica. Muitas vezes, os primeiros sinais não aparecem como falhas de memória evidentes, mas como mudanças comportamentais sutis. É nesse ponto que a psiquiatria frequentemente entra em cena até mesmo antes do neurologista.

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O Alzheimer costuma se manifestar na Psiquiatria por sinais que antecedem a perda de memória. A apatia persistente, a redução do interesse por atividades, alterações de humor e mudanças sutis na personalidade são pistas frequentes. Muitos pacientes chegam com queixa de ansiedade, irritabilidade ou episódios depressivos que parecem resistentes ao tratamento, porque a origem já está na disfunção neurodegenerativa que afeta circuitos cerebrais.

Observar esse padrão ajuda a diferenciar transtornos primários de humor de um processo inicial de demência. À medida que o quadro evolui, surgem sintomas neuropsiquiátricos que impactam profundamente o cuidado. Agitação, agressividade, delírios de roubo ou ciúmes, flutuações do humor e inversão do ciclo sono-vigília se tornam centrais no manejo.

A condução psiquiátrica se apoia em intervenções ambientais, suporte familiar e uso criterioso de medicamentos, sempre priorizando segurança e preservação da autonomia. O objetivo é reduzir sofrimento, manter vínculos afetivos e ajustar o tratamento às necessidades que mudam ao longo da doença.

Em todos os cenários, o olhar endocrinológico se torna decisivo. O Alzheimer não surge e progride isoladamente: ele se associa de forma íntima à resistência à insulina, ao diabetes, à obesidade, à dislipidemia, à hipertensão, à inflamação crônica, ao sedentarismo e às alterações do sono. O cérebro é um órgão metabolicamente exigente e sofre quando o metabolismo falha.

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Intervir precocemente nesses fatores não é apenas prevenção cardiovascular: é estratégia de proteção cerebral.

Estudos recentes mostram que mudanças no estilo de vida, controle metabólico rigoroso e medicamentos originalmente desenvolvidos para doenças metabólicas podem influenciar processos biológicos ligados à neurodegeneração. O que antes parecia improvável hoje é ciência em construção.

Somar diagnóstico preciso, terapias direcionadas ao processo biológico da doença, cuidado psiquiátrico qualificado e prevenção metabólica ativa sustenta uma perspectiva concreta: transformar o Alzheimer de uma doença fatalmente progressiva em uma condição cada vez mais manejável.

Talvez não possamos ainda apagar completamente seu rastro, mas já conseguimos, com conhecimento e ação precoce, torná-lo mais lento, mais previsível e, sobretudo, mais humano.

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Quando o tempo deixa de ser inimigo, ele se transforma em aliado. E isso muda tudo para pacientes, famílias e para a medicina como um todo.

* Clayton Macedo é endocrinologista, professor da Unifesp e diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia; Diogo Haddad é neurologista, professor da Santa Casa de São Paulo e coordenador da Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; Luiz Dieckmann é psiquiatra e diretor médico do Grupo TribeMD; Eduardo Freire Vasconcellos é geriatra e pesquisador principal do L2 IP Instituto de Pesquisas Clínicas

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