Considerado um político moderado e hábil, o presidente da Câmara, Hugo Motta, enfrenta um momento de tensão. Em Brasília, ele pegou de surpresa o governo, antecipou o calendário de votação e articulou a derrubada dos decretos que aumentavam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O presidente Lula, obviamente, não gostou.
Já nas redes sociais, o deputado passou a ser criticado depois de vir a público um vídeo em que ele aparece bebendo um gole de uísque direto da garrafa numa festa junina, patrocinada pelo governo, realizada em sua cidade natal, Patos (PB), cujo prefeito é o pai de Hugo Motta.
“Que vergonha. Tenha compostura, senhor”, comentou uma leitora de VEJA ao ver a imagem numa rede social da revista. “É o nível da política no país”, acrescentou outra leitora. Que bom seria se essa polêmica em torno da liturgia do cargo fosse oi único problema do Congresso.
Saldo negativo
No primeiro semestre deste ano, Câmara e Senado apostaram em pautas corporativistas, contemplaram lobbies poderosos em detrimento do interesse coletivo e deixaram em segundo plano propostas de interesse do país. Na noite da última quarta-feira, 25, as duas Casas aprovaram um projeto que aumenta o número de deputados de 513 para 531.
Essa votação foi uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF que determinou ao Congresso redistribuir as 513 cadeiras da Câmara de acordo com os dados populacionais do censo do IBGE de 2022. Como no novo rateio alguns estados passariam a ter menos deputados e outros mais representantes, decidiu-se pelo caminho mais fácil politicamente: ninguém perde nada e todos os congressistas saem ganhando.
Numa tentativa de atenuar os danos de imagem, parlamentares aprovaram uma emenda para expressar que não haverá aumento de despesa em decorrência da ampliação das vagas na Câmara. A desconfiança quanto a isso é generalizada, até pelo possível efeito cascata nas assembleias legislativas. A população, obviamente, não apoiava o aumento do número de deputados, rechaçado por 76% dos entrevistados em pesquisa do Datafolha.
A pauta corporativista teve outros itens. Enquanto cobrava corte de gastos do governo, a Câmara propôs projeto para permitir que os parlamentares acumulem aposentadorias como congressistas com o salário recebido pelo exercício do mandato. Não para por aí. Na última sessão do Congresso, deputados e senadores mudaram o percentual de reajuste do fundo partidário, que consome mais de um bilhão de reais por ano, adotando um índice maior de correção do butim.
Agenda particular
Na mesma sessão do Congresso, deputados e senadores derrubaram vetos do presidente Lula a “jabutis” inseridos no marco das eólicas em alto-mar. A decisão beneficiou empresários do setor de energia e resultará em quase 200 bilhões de reais em custos acrescidos à conta de luz até 2050. A fatura será paga pelo consumidor. Já os assuntos de interesse do país ficaram de lado.
Atualmente, tramitam no Legislativo a PEC da Segurança Pública, o projeto que garante isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais e a proposta contra os supersalários, todos deixados em banho-maria. Até a CPI criada para investigar o roubo de aposentados e pensionistas do INSS, que já teve seu requerimento de instalação lido, só começará a funcionar no segundo semestre. A ressaca quase sempre é da sociedade.