As possibilidades de que as coisas piorem muito no Oriente Médio são enormes. Hipóteses: Israel não destrói as instalações usadas para o projeto nuclear bélico — muito mais complicado do que os feitos quase dos primeiros dias da campanha —, o Irã radicaliza e fecha o Estreito de Ormuz, ataca países vizinhos aliados dos Estados Unidos, o petróleo enlouquece e o mundo fica com uma crise infernal. Israel não só tem que ganhar como parecer que ganhou para não ficar às voltas com mais uma guerra inconclusiva. Se a infraestrutura nuclear for apenas arranhada, terá desperdiçado a própria reputação. O Oriente Médio não é um lugar onde demonstrar vulnerabilidade tenha preço baixo, como o regime iraniano está vendo.
Para variar um pouco, vamos falar no que poderia dar certo: se os próprios iranianos inconformados com o radicalismo fundamentalista propiciassem uma mudança e negociassem garantias pétreas de que poderiam abrir mão da bomba nuclear, não sofrer mais sanções, usar os recursos do petróleo para desenvolver o país. Quem quisesse continuar a seguir os princípios religiosos mais ortodoxos não teria impedimentos. As mulheres poderiam escolher entre cobrir a cabeça inteiramente ou liberar o cabelão. Também poderiam frequentar livremente ambientes onde se misturam com homens que não são parentes. E pessoas de ambos os sexos, ou talvez até de outros, passeariam com seus cachorros pelas ruas de qualquer cidade — aumentar a repressão à movimentação dos cães e seus tutores foi uma das mais recentes maluquices do regime fundamentalista, antes dos ataques.
“Um sonho: que Irã e Israel não só deixem de ser inimigos como se aproximem. São complementares”
Já que estamos sonhando alto, vamos imaginar uma fase mais avançada em que Irã e Israel não só deixem de ser inimigos como se aproximem. Os dois países são complementares. Israel, um prodígio tecnológico, teria um interlocutor com território 75 vezes maior, petróleo e uma elite com altos níveis de instrução. Judeus e iranianos também são orgulhosos de descender de culturas antigas, milenares. No passado bíblico, o persa Ciro II livrou os judeus do cativeiro na recém-conquistada Babilônia. No Livro de Esdras, isso é dado como um ato divino através do qual “o Senhor despertou o espírito de Ciro, rei da Pérsia”. O magnânimo Ciro também mandou devolver tesouros saqueados do primeiro templo: “Trinta bacias de ouro, mil bacias de prata, vinte e nove incensários, trinta taças de ouro, quatrocentas e dez taças de prata e mil outros utensílios”. Comparado aos tesouros de um conquistador como Ciro, era um magro butim, um sinal de que a escassez de recursos foi uma constante na vida dos judeus. Os iranianos ainda homenageiam a memória de Ciro — fato raro numa religião que elimina os feitos pré-islâmicos — e o rei persa é o único não judeu a ser reverenciado como “messias”.
Imaginem o que seria um Pacto de Ciro, uma união pelo progresso dos dois povos, sem a bagagem dos tempos do xá. “Eu sou Ciro, rei do universo, o grande rei”, diz o conquistador persa no Cilindro de Ciro, um dos mais importantes artefatos arqueológicos da história, encontrado nas ruínas da Babilônia. Se ajudasse a reaproximar dois povos, agora vivendo tantas atribulações, sua glória reverberaria mais de 2 500 anos depois.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949