Muito presente em sucos industrializados, chocolates sem açúcar, cookies “fit”, snacks e barrinhas “low carb”, o eritritol é um adoçante que acabou ganhando espaço na dieta de quem busca uma alimentação menos calórica. Embora ainda existam muitas dúvidas sobre os efeitos dos substitutos do açúcar no corpo, as pesquisas estão avançando — e algumas delas levantam sinais de alerta. É o caso de um estudo publicado no Journal of Applied Physiology, que sugere alterações em células que revestem os vasos sanguíneos do cérebro após exposição ao eritritol.
Esse adoçante faz parte do grupo dos polióis, substâncias com estrutura parecida com a do açúcar comum. Ele pode ser encontrado em pequenas quantidades em frutas como pera, uva e melão. Porém, o que vai parar nos alimentos industrializados é, na maior parte das vezes, uma versão produzida em laboratório, geralmente a partir da fermentação da glicose.
Vale dizer que, atualmente, entidades como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a FDA (dos Estados Unidos) estabelecem recomendações sobre a Ingestão Diária Aceitável (IDA) para o consumo de adoçantes. No caso do eritritol, no entanto, essa quantidade é classificada como “não especificada”, justamente por se tratar de uma substância considerada de baixa toxicidade.
O que estudo encontrou exatamente?
No estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade do Colorado, células endoteliais cerebrais humanas cultivadas em laboratório foram expostas a uma concentração de eritritol semelhante à de uma bebida adoçada artificialmente (cerca de 30 gramas) por 24 horas. Como se trata de um experimento in vitro, não houve testes em seres humanos nem avaliação de produtos prontos como refrigerantes ou barrinhas “low carb”. O que os pesquisadores fizeram foi misturar o eritritol em um meio de cultura celular, que é um líquido nutritivo desenvolvido para manter células vivas e funcionais no ambiente de pesquisa. Os resultados foram os seguintes:
- Aumento de 75% na produção de radicais livres (ROS)
- Redução de 20% na produção de óxido nítrico (NO), que ajuda a relaxar os vasos
- Aumento de 30% na endotelina-1 (ET-1), substância que contrai os vasos
- Prejuízo na liberação de t-PA, proteína que dissolve coágulos
“Essas alterações são típicas de uma disfunção endotelial, que é justamente um dos eventos que podem anteceder um AVC”, dizem os autores do estudo.
Nos últimos anos, outras pesquisas também sugeriram possíveis riscos associados ao eritritol. Um deles, publicado em 2024 pela American Heart Association, comparou indivíduos que consumiram glicose (açúcar) com outros que ingeriram a mesma dose de eritritol. O grupo que tomou a bebida adoçada artificialmente apresentou maior agregação de plaquetas — um fenômeno que, em excesso, pode favorecer a formação de coágulos e eventos trombóticos. Porém, o estudo tinha pontos questionáveis, como amostra pequena (só 10 participantes) e curto prazo (participantes foram avaliados apenas 30 minutos após a ingestão).
Precisamos nos preocupar?
Apesar dos achados chamarem atenção, especialistas lembram que estudos como esse, feitos com células isoladas em laboratório, também não servem para bater o martelo sobre riscos reais à saúde humana, já que não refletem a complexidade do nosso organismo, que passa por inúmeras adaptações e compensações. “Esse é o tipo de estudo que está na base da pirâmide das evidências científicas. Serve para gerar hipóteses, não para mudar condutas clínicas”, explica Thiago Scudeler, cardiologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Para o endocrinologista Alexandre Hohl, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), há um risco de que pesquisas como essa, quando divulgadas fora do contexto, acabem gerando interpretações equivocadas. “Essa é uma informação que talvez devesse permanecer apenas no meio científico. Quando divulgada de forma distorcida, torna-se perigosa, porque ainda é muito preliminar dentro da evolução do conhecimento.”
Ele lembra que o derrame cerebral está muito mais associado a fatores de risco já bem estabelecidos — como hipertensão, sedentarismo e colesterol alto — do que ao uso de adoçantes. “Às vezes, a pessoa fuma, é sedentária, tem obesidade e está preocupada com o adoçante. Não é por aí”, destaca Hohl. “Certamente, se no futuro houver evidências sólidas de que qualquer alimento ou substância é prejudicial, ele deve ser retirado da dieta. Mas, neste momento, isso ainda não é uma verdade científica.”
Ainda assim, os dois médicos defendem que o uso de adoçantes seja feito com moderação e cautela, priorizando seu uso em preparações saudáveis. Afinal, há muitos produtos ultraprocessados adoçados artificialmente por aí, inclusive nas prateleiras dos supermercados. “O eritritol, como os outros polióis, é considerado seguro em doses moderadas. Mas isso não significa que possa ser usado sem critério, em tudo”, diz Scudeler.