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UFC restringe IA em pesquisas: ‘abordagem excessiva’, dizem professores

Em recente levantamento publicado sobre regras para o uso de Inteligência Artificial generativa na pesquisa acadêmica, apenas sete instituições brasileiras apresentaram algum tipo de regra, evidenciando vácuo regulatório em um tema que já interfere em diversos setores da sociedade, incluindo o educacional. No começo do mês, a pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação (PRPPG) da Universidade Federal do Ceará (UFC) publicou suas diretrizes sobre o uso de IA na pesquisa. Entretanto, em vez de representar avanço na integração dessas novas tecnologias, pesquisadores alegam que a norma da instituição expõe outro extremo: o da abordagem excessivamente restritiva e punitiva, que preza pelo controle em detrimento de uma perspectiva pedagógica e formativa.

A portaria cria um regime de obrigatoriedade de submissão dos trabalhos a ferramentas de verificação de similaridade, especificamente o Turnitin, e em seguida trata de suas regras específicas sobre o uso de IA na pesquisa. Embora o texto não mencione explicitamente detectores de IA, se cria uma associação implícita entre similaridade e uso de IA generativa, como fenômenos equivalentes. “Estudos na área de processamento de linguagem natural demonstram que esses detectores são notoriamente imprecisos, apresentando altas taxas de falsos positivos e falsos negativos. Esta inversão do ônus da prova de inocência é particularmente perversa”, critica Raquel Lobão, professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) da UERJ, doutora em Ciências da Comunicação e pesquisa Inteligência Artificial Generativa e metodologias científicas de pesquisa.

Seu colega Rafael Cardoso Sampaio, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (UFPR), compartilha da mesma opinião. “A própria norma reconhece essa fragilidade ao afirmar que o uso da ferramenta, ‘isoladamente, não é suficiente para atestar a originalidade integral’. No entanto, contraditoriamente, torna a apresentação do relatório de similaridade uma condição para o agendamento de defesas, aumentando a burocracia e instalando o regime da vigilância e do medo”.

Para ambos, as novas normas da UFC ao trazerem uma lista extensa de usos vedados, incluindo a geração de “conteúdo original, interpretações ou análises críticas”, se contradizem por, ao mesmo tempo, se exigir uma declaração detalhada. Cria-se uma zona cinzenta, em que qualquer uso declarado pode ser interpretado como violação normativa. “Como distinguir entre ‘suporte auxiliar’ (permitido) e ‘geração de conteúdo original’ (proibido)? Por exemplo, se um pesquisador usa IA para explorar conexões entre teorias (finalidade permitida) e a ferramenta sugere uma interpretação inovadora que o pesquisador valida e incorpora, isso viola a proibição da IA gerar ‘interpretações ou análises críticas’? Ferramentas de IA sempre geram conteúdo novo a partir de prompts. A linha divisória é tênue demais”, diz Raquel.

O problema é agravado, segundo eles, pelo disposto no Artigo 7º, que estabelece que, na ausência de orientação explícita do docente, o uso de IA “não será automaticamente aceito” e será tratado como “auxílio externo”, equivalente a uma colaboração indevida. “Considerando que boa parte dos docentes ainda está se familiarizando com as tecnologias de IA, muitos optarão por não definir nada, o que, pela norma, presume a proibição. Em vez de estabelecer um padrão-base razoável, a norma cria um ambiente de incerteza permanente”, continua ela.

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Para os pesquisadores, as restrições impostas demonstram uma visão reducionista do potencial das ferramentas de IA. Ao proibir o uso para “gerar conteúdo original”, a portaria ignora que muitas aplicações legítimas envolvem a cocriação e o desenvolvimento colaborativo de ideias. “Essa proibição ampla revela desconhecimento sobre as nuances do funcionamento dessas tecnologias, considerando que todos os usos seriam apenas para cópia, plágio ou trapaça”, continua a pesquisadora.

Procurada pela coluna GENTE, Lidiany Karla Gerage, coordenadora de Planejamento Estratégico e Avaliação da PRPPG da Universidade Federal do Ceará, reforça que não foi proibido o uso de Inteligência Artificial (IA) em trabalhos acadêmicos. A medida teria caráter orientativo e educativo, a partir “da necessidade institucional de zelar pela integridade e preservar a autoria humana nas produções acadêmicas, especialmente em dissertações e teses, que representam o ápice da formação científica”.

“A questão é complexa: se uma ferramenta de IA ‘escreve’ parte ou todo o texto de um discente, quem é o autor real da ideia? O estudante? O modelo? Ou os inúmeros autores cujos textos serviram de base para o treinamento do sistema? De tal modo, a Universidade entendeu que era necessário estabelecer critérios claros e éticos sobre o uso de ferramentas de IA justamente porque, ao gerar textos a partir de grandes volumes de dados já existentes, essas tecnologias podem produzir recombinações probabilísticas de padrões linguísticos, sem compreensão de contexto, método científico ou originalidade intelectual. Permitir que essas ferramentas gerem hipóteses, análises ou interpretações de forma autônoma equivaleria a transferir a autoria intelectual da pesquisa para um sistema algorítmico, o que contraria a essência da ciência, da autoria e da formação acadêmica”, diz Lidiany.

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Para a UFC, essas novas ferramentas podem ser úteis, desde que utilizadas sob direção, análise e validação humana. “Quando não há parâmetros definidos, o risco é que a IA deixe de ser um instrumento auxiliar e passe a interferir no núcleo autoral da pesquisa. Ou seja, sem orientação e supervisão adequadas, o resultado pode não refletir o raciocínio crítico do pesquisador, mas apenas um arranjo de textos preexistentes, ameaçando a autenticidade intelectual e a credibilidade do trabalho científico”, completa.

*com colaboração de Tatiana Moura

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