O governo Donald Trump intensificou a pressão sobre o Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento para que retomem o financiamento de projetos de combustíveis fósseis, como exploração de novas reservas de gás natural e construção de gasodutos.
A guinada marca um choque frontal com a política climática internacional e ameaça comprometer metas globais de redução de emissões de carbono.
Desde que voltou à Casa Branca em janeiro, Trump desmontou praticamente toda a agenda ambiental do democrata Joe Biden, prometendo “liberar” o petróleo, o carvão e o gás americanos.
Agora, a ofensiva se estende às instituições multilaterais, nas quais os EUA têm peso decisivo como principal acionista. “Os americanos estão falando de gás em todo lugar”, disse um representante do conselho do Banco Mundial ao Financial Times, sob anonimato.
Retrocesso na política de financiamento
O Banco Mundial havia anunciado em 2019 a suspensão de apoio a projetos de exploração de petróleo e gás, com raras exceções.
Em 2023, comprometeu-se a destinar 45% de seus recursos anuais a projetos climáticos até 2025. Esse alinhamento respondia à pressão de países europeus e de cientistas, que alertam para a necessidade de frear investimentos fósseis e ampliar rapidamente as renováveis.
A posição americana, no entanto, ameaça reverter esse avanço. Em reunião de junho, representantes de Washington defenderam explicitamente novos financiamentos para exploração de gás.
O presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, admitiu em mensagem interna que não houve consenso entre os diretores e que a questão continuará em debate.
Disputa geopolítica e impactos globais
A estratégia dos EUA reflete uma visão de “neutralidade tecnológica”, segundo a qual todas as fontes de energia, incluindo fósseis, devem ser consideradas no portfólio dos bancos multilaterais.
Para o Tesouro americano, essa seria uma forma de responder às “necessidades energéticas” de países em desenvolvimento, muitos deles ainda dependentes do carvão e sem infraestrutura adequada de renováveis.
Críticos veem, porém, um movimento geopolítico mais amplo: ao estimular investimentos em gás, os EUA fortalecem sua indústria exportadora e ampliam influência em nações emergentes.
Essa política entra em choque direto com a União Europeia, que busca transformar o Banco Mundial em motor da transição energética global.
O risco é claro: ampliar o financiamento a combustíveis fósseis pode tornar inalcançável a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Em 2024, o mundo registrou o ano mais quente da história, com ondas de calor, enchentes e incêndios extremos em vários continentes.
Déficit no financiamento climático
O contraste entre discurso e prática é ainda mais evidente diante do déficit no financiamento climático. Economistas calculam que os países em desenvolvimento precisarão de cerca de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para bancar a transição energética e se adaptar aos impactos do aquecimento. O Banco Mundial e outros bancos multilaterais são vistos como essenciais para viabilizar essa cifra.
Hoje, porém, o volume está muito aquém: em 2024, os financiamentos coletivos somaram US$ 85 bilhões, pouco mais de 6% do necessário. A mudança de orientação sugerida pelos EUA não apenas redirecionaria recursos já escassos, como também poderia enfraquecer a confiança de investidores privados no setor de renováveis.
Resistência interna e futuro incerto
A postura americana reacendeu tensões dentro do Banco Mundial. Países europeus, especialmente Alemanha e França, resistem ao retrocesso e defendem que a instituição mantenha sua linha de apoio à transição verde.
No passado, divergências semelhantes paralisaram decisões sobre projetos estratégicos, revelando a fragilidade da governança da entidade.
Do lado americano, a sinalização de Trump dialoga diretamente com sua base política, contrária a compromissos ambientais e favorável à expansão da indústria fóssil.
Analistas avaliam que, mesmo que a guinada não se concretize plenamente, o simples fato de a maior potência mundial defender a expansão do gás já enfraquece acordos climáticos e oferece respaldo político a países que resistem a abandonar os combustíveis fósseis.
Um teste para a liderança global
A pressão dos EUA coloca em xeque não apenas o futuro do Banco Mundial, mas também a credibilidade das instituições multilaterais em meio à crise climática.
Com cada vez mais eventos extremos e recordes de temperatura, a disputa entre energia fóssil e renovável ganha caráter de urgência. A decisão do conselho do Banco Mundial, prevista para os próximos meses, será um teste da capacidade global de alinhar desenvolvimento econômico e proteção climática.