Donald Trump ganhou e ganhou em grande escala: apoiou Israel, bombardeou o Irã e imediatamente em seguida conseguiu um cessar-fogo. Não precisou descer os tanques, metafóricos ou reais. Para seus inimigos, é duro de engolir. Para ele, é insuportável que não reconheçam seus feitos.
Na tentativa de contestar informações sigilosas da inteligência militar dizendo que o programa nuclear iraniano foi atrasado em apenas alguns meses – uma afirmação ainda duvidosa -, Trump soltou o verbo: sustentou que Israel tem agentes mobilizados para verificar as instalações nucleares de Fordow e “eles disseram que foi obliteração total”.
Isso é ruim, não para Israel, que apenas desmentiu discretamente, mas para o Irã, que precisa ser mantido na linha e não humilhado ainda mais com demonstrações da infiltração em massa em todas as instâncias de poder – ontem, foram executados na forca mais três acusados de colaborar com Israel; 700 estão presos.
E, de qualquer maneira, está certo um presidente falar com tanta desenvoltura sobre operações secretas? E ainda por cima se manifestar sobre o processo na justiça por corrupção que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta?
“Fiquei chocado ao saber que o Estado de Israel, que acabou de ter um dos grandes momentos de sua história e é liderado com firmeza por Bibi Netanyahu, está prosseguindo com a ridícula caça às bruxas contra o grande primeiro-ministro de tempos de guerra”, postou ele, causando perplexidade geral. O processo é, obviamente, um assunto interno.
‘LAMÚRIAS E CAPRICHOS’
Para qualquer outro ocupante do cargo, seria uma inconveniência de grandes proporções. Para Trump, é apenas um dia a mais de trabalho, coisa praticamente normal para alguém que usou um palavrão ao se referir aos dois países que estava tentando abranger no cessar-fogo tão vital para o Oriente Médio e para o mundo. E ainda tripudiou: “Os aviões vão fazer meia-volta e retornar”. Referia-se a seus aliados – e os aviões israelenses já no ar para retaliar um último ataque iraniano realmente deram meia-volta, fora um bombardeio simbólico.
Esse é o poder do presidente dos Estados Unidos. Um poder que Trump exerce sem moderação, mas que tem dado resultados. Disse em e-mail o secretário-geral da Otan, e ex-primeiro-ministro-holandês, Mark Rutte: “Congratulações e obrigado pela ação decisiva no Irã, isso foi realmente extraordinário e algo que ninguém mais ousou fazer.”
Como sabemos que Rutte disse isso numa mensagem particular? Porque Trump, obviamente, postou. É o tipo de elogio que ele precisava ouvir e que tantos se negam a fazer, seja por repúdio, seja por cautela, considerando-se que nada é pode ser dado por garantido no Oriente Médio. Sem contar o caráter estranho do cessar-fogo que ninguém assinou nem especificou em detalhes e foi precedido por um ataque “combinado” em território do Catar, um dos intermediadores da suspensão de hostilidades.
“Com este presidente, o mundo inteiro consegue ver seus pensamentos, lamúrias e caprichos”, escreveu Tyler Pager no New York Times. “Suas postagens surgem a qualquer hora do dia ou da noite – muitas autoelogiosas, algumas triviais, algumas furiosas. São todas janelas para sua psique, um tesouro de insights sobre suas intenções, seus humores, suas vulnerabilidades”.
O colunista lembra que, com Richard Nixon, foi preciso que o escândalo de Watergate levasse a justiça a exigir a entrega das gravações que fazia na Casa Branca para saber o que realmente pensava. As explosões de fúria e os palavrões assustaram os americanos e contribuíram para o apoio a seu afastamento.
PAPEL DE ‘PAPAI’
Lyndon Johnson usava uma linguagem de caserna, com os palavrões mais cabeludos já vistos na Casa Branca e certas atitudes grotescas. Mas o público americano só soube disso muito tempo depois de sua presidência. Bill Clinton sempre foi um sedutor, em on ou em off, mas só Monica Lewinsky e outras amantes que surgiram no rastro abriram uma janela em sua linguagem privada. Barack Obama sempre foi um lorde – só deixou entrever que queria distribuir riquezas numa resposta espontânea a um sujeito comum, na rua – pegou muito mal. Joe Biden falava sempre a mesma coisa, clichês sobre a América, com linguagem cada vez mais trôpega.
Os brasileiros estão acostumados, com dois presidentes sucessivos, a chefes de Estado que não têm filtros. Para os simpatizantes, isso é visto como autenticidade – uma qualidade que os trumpistas também identificam no presidente americano.
Decifrar o que o ocupante da Casa Branca pensa é um interesse constante de adversários e aliados. Trump facilita bastante o trabalho deles. Também ajuda quem cultiva seus favores, como Mark Rutte: a Otan, pilastra sobre a qual foi construído o poder dos Estados Unidos no pós-guerra, vive sendo ameaçada de abandono.
Rutte chegou a brincar que Trump fez o papel de “papai” que tem uma conversa séria com crianças briguentas. Trump adorou – fez até umas brincadeiras a respeito. Mas disse que os Estados Unidos sairão em socorro dos membros da aliança – deveria ser um artigo de fé, mas tudo é mutante no momento -, prometeu mais baterias antimísseis Patriot para a Ucrânia e elogiou uma reunião “muito boa” com Volodymyr Zelensky. Estava num dia positivo. Só podemos torcer para que continue assim.
Sobre Netanyahu, disse que o caso é “politicamente motivado” e deveria ser “cancelado imediatamente, ou ser dada uma anistia para um grande herói”. É claro que Trump se identifica com o líder israelense, por causa dos processos que sofreu. E é possível que ele sinta o mesmo em relação a outros governantes com quem simpatiza e que estão enfrentando julgamentos.