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Trump ameaça, mas invasão terrestre da Venezuela pode ser tiro no pé para EUA; entenda

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abriu esta semana com a afirmação, na terça 2, de que ataques americanos contra alvos dentro da Venezuela começarão “em breve”, fala que eleva mais um ponto a escalada de pressão contra o regime de Nicolás Maduro. Em paralelo às reiterações de que “todas as opções estão à mesa”, anúncios de autorização à CIA para operações secretas em território venezuelano e a recusa em descartar uma invasão, o líder republicano também supervisionou pesado deslocamento militar para o Caribe e mais de vinte ataques a embarcações que, segundo Washington, carregam drogas. Ao menos 83 pessoas morreram nas investidas, que fazem parte do que ficou conhecido como “Operação Lança do Sul”.

Tudo parece apontar que o próximo passo seria um ataque direto, embora não se saiba quando, nem se Trump, o imprevisível, comprará a própria aposta. Além disso, especialistas afirmam que uma invasão terrestre pode converter-se em um tiro no pé para os Estados Unidos. Além das dúvidas sobre se o país possui os recursos militares necessários para lançar uma operação tão ampla a ponto de depor Maduro, analistas militares afirmam que a estratégia de guerrilha que a Venezuela aperfeiçoa desde o início dos anos 2000 tem potencial para dificultar e estender o conflito por tempo indeterminado — o que, por si só, já seria uma espécie de derrota para a poderosa Washington.

O obstáculo do terreno

A Venezuela tem uma geografia extremamente variada, com montanhas, selvas tropicais e muitos rios. Nas regiões montanhosas, como na cordilheira dos Andes e Mérida, ou demais áreas altas do país, o relevo complica o avanço de forças convencionais — movê-las, garantir logística, transporte de veículos blindados e suprimentos seria muito mais difícil do que em terreno plano.

No sul e em grande parte do interior, há florestas densas, áreas de difícil acesso com clima quente e úmido que complicam o uso de veículos pesados, blindados ou helicópteros. Essas são “defesas naturais” que tornariam uma invasão mais lenta e arriscada.

A população e a infraestrutura crítica se concentram majoritariamente na zona costeira norte. Isso significa que, mesmo em um cenário onde tropas americanas conquistam a capital ou centros urbanos, poderia haver ainda muita resistência do interior do país.

O número atual de militares que os Estados Unidos mantêm no Caribe pode ser insuficiente para uma operação terrestre em larga escala nessas condições. Dados do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) apontam que há cerca de 13 mil soldados americanos atualmente no Caribe, enquanto estima que seriam necessários ao menos 50 mil para uma invasão, ou até 150 mil para uma ação mais ampla e duradoura. Para efeito de comparação, as forças americanas enviaram 130 mil soldados para invadir o Iraque em 2003.

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“Os Estados Unidos posicionaram gente o suficiente lá para causar sofrimento, mas não para tomar território. Não estamos falando de uma força de invasão e ocupação”, escreveu Peter Singer, estrategista e pesquisador sênior do think tank New America, em artigo recente.

A lógica de “entrada rápida, vitória rápida”, típica de intervenções convencionais, dificilmente funcionaria na Venezuela. O custo humano, diplomático e financeiro seria alto, e o retorno bastante incerto. Isso torna o risco de afundar os Estados Unidos em um conflito longo e impopular uma aposta arriscada.

A estratégia assimétrica

Em termos de poderio bélico, se houvesse um conflito aberto, Caracas teria ampla desvantagem. O regime de Maduro parece saber bem disso. Segundo investigação da agência de notícias Reuters, o Exército venezuelano montou uma resistência no estilo guerrilha — uma estratégia que é admissão tácita da escassez de soldados e equipamentos no país, mas que já deu resultados contra as Forças Armadas americanas em outros cantos do mundo (em especial no Vietnã).

Isso não é exatamente novidade. Em 2002, quando houve uma tentativa de golpe de Estado na Venezuela apoiada pelos Estados Unidos, o então presidente Hugo Chávez reformulou as táticas militares nacionais para lidar com uma potencial invasão americana. Ele incorporou princípios da “guerra popular”, uma tática maoísta que consiste em ceder território a uma força invasora nos estágios iniciais de um conflito, em favor de um combate de guerrilha até que os embates se tornem insustentáveis.

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“Um aspecto fundamental dessa tática é a diluição das fronteiras entre a sociedade e o campo de batalha, contando com o apoio e a participação da população”, afirma Pablo Uchoa, pesquisador do Instituto das Américas na University College London, em artigo. Nos idos do século XIX, o grande analista militar prussiano Carl von Clausewitz observou que as guerras mais poderosas são aquelas impulsionadas pela convicção do povo.

A Milícia Bolivariana, ramo especial das forças armadas venezuelanas criado em 2008, incorpora a doutrina da guerra popular ao integrar civis à mobilização para a segurança nacional. O número de membros da milícia cresceu de 1,6 milhão em 2018 para 5 milhões em 2024, segundo dados oficiais. Sob Maduro, o governo venezuelano afirmou que pretende expandir o número de membros para 8,5 milhões de pessoas.

O objetivo da milícia não é espelhar as forças armadas convencionais da Venezuela, mas sim estender sua presença por todo o país. O sistema de defesa territorial da Venezuela baseia-se em destacamentos militares em níveis regional, estadual e municipal, com funcionários e missões designados de acordo com a geografia e a população local.

“Os milicianos têm um altíssimo nível de capilaridade e a vantagem de profundo conhecimento do terreno”, acrescenta Uchoa.

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A defesa no estilo guerrilha, que o governo denominou “resistência prolongada” e mencionou em transmissões na TV estatal, envolveria pequenas unidades militares em mais de 280 locais realizando atos de sabotagem e outras táticas do tipo, de acordo com fontes e documentos de planejamento vistos pela Reuters. Cerca de 60 mil membros do Exército e da Guarda Nacional seriam acionados pelo regime para sua “guerra de resistência”.

O risco do caos

Mesmo que os Estados Unidos consigam derrubar Maduro, não há garantia de que conseguiriam estabelecer uma nova ordem de forma rápida. A fragmentação do país — com gangues, cartéis, guerrilhas e milícias disputando o poder — poderia levar a uma guerra civil generalizada.

O regime planeja, inclusive, usar isso como arma. Ainda segundo investigação da Reuters, ao lado da guerrilha, uma segunda estratégia, chamada de “anarquização“, usaria os serviços de inteligência e apoiadores armados do governo para criar desordem nas ruas de Caracas e tornar o país ingovernável, para evitar a tomada do poder por forças estrangeiras. Segundo pessoas ouvidas pela agência de notícias, as duas táticas são complementares em caso de invasão americana.

Além disso, as incertezas sobre quem governaria a nação no caso de assassinato ou fuga de Maduro são altas. Nada garante que uma liderança organizada, coesa e legitimada surgiria em lugar, deixando em aberto o risco de um vácuo de poder com múltiplos atores tentando assumir o controle.

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“Maduro é um moderado dentro do chavismo. Outra pessoa ainda mais radical poderia usurpar o poder no lugar da oposição, com o apoio dos militares”, alertou em entrevista à emissora americana CNN Juan Gonzalez, pesquisador do Instituto das Américas da Universidade de Georgetown. “A ideia de que um membro da oposição possa assumir o poder imediatamente é impossível. Não há como garantir sua segurança ou governabilidade sem ajuda dos EUA. Todos veem a remoção de Maduro como o fim, mas na verdade é apenas o começo do que será um longo e arrastado processo.”

Para agravar ainda mais o problema, Maduro poderia atacar alvos americanos na região – antes mesmo das forças tomarem qualquer medida para destituí-lo.

“Existe a possibilidade de Maduro, se achar que está prestes a cair, atacar algo que seja importante para os EUA, como plataformas de petróleo no Mar do Caribe. Poderia ser uma aposta arriscada que prejudicaria os interesses americanos na região”, disse à CNN Henry Ziemer, especialista do CSIS para a região do Caribe.

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