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Três pecados que matam qualquer remake de novela – ‘Vale Tudo’ que o diga

Nos últimos dias, Vale Tudo até teve um ligeiro alívio nos índices do ibope nacional — mas é um fato incontestável que o remake do sucesso de 1988 continua longe, muito longe das expectativas da Globo e dos fãs de novelas. O que explica esse desastre a céu aberto na trama recriada por Manuela Dias? Não existe fórmula mágica capaz de garantir o êxito de um folhetim, é fato. Mas a autora e a direção de teledramaturgia da emissora incorreram em pecados básicos que matam qualquer remake de folhetim no nascedouro. Confira a seguir os três principais erros de cálculo que fizeram a história de Raquel, Maria de Fátima e Odete Roitman não colar junto ao público de hoje como a original — e que foram evitados por outras releituras recentes de velhas tramas da Globo:

 

“Não darás as costas às mudanças na realidade do país”

Marco Aurélio (Reginaldo Faria) dá banana para o Brasil em 'Vale Tudo' (1988)
Marco Aurélio (Reginaldo Faria) dá banana para o Brasil em ‘Vale Tudo’ (1988)Reprodução/TV Globo

Esse é talvez o mais básico de todos os pecados originais dos remakes: ignorar o bom senso na hora de definir qual antigo sucesso tem algo a dizer no momento atual da nação, para além de sua ressonância na época em que foi feito. Ao recriar Pantanal, em 2022, a Globo deu dois tiros certeiros nesse sentido. A novela original passou em outra emissora, a Manchete, e só sobrevive em cópia sofrível – o que justificava refazê-la do ponto de vista artístico. Mais importante, a trama de Benedito Ruy Barbosa era um aceno ao pujante (e conservador) Brasil do agro. Com Renascer, a emissora tentou repetir a aposta em 2024 — mas não foi tão bem, pois ficou no ar um sabor de truque repetido.  No caso de Vale Tudo, a suposta  atualidade da história de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères era uma armadilha. A ética e a corrupção, temas centrais do folhetim, continuam sendo questões que merecem um exame nacional — mas é inegável que a pauta política e social do país de agora é diferente, passando por temas como polarização, extremismos nas redes e a guerra cultural entre conservadores e a turma woke.  Resultado: se a primeira Vale Tudo tinha um quê de libelo altamente sintonizado com o que o brasileiros falavam nas ruas, a nova é uma novela sem bandeira e incapaz de gerar identificação.

 

“Não mudarás  tramas bem-sucedidas da novela original com critério duvidoso”

Aldeíde (Karine Teles) com seu bebê reborn em 'Vale Tudo'
Aldeíde (Karine Teles) com seu bebê reborn em ‘Vale Tudo’, novela das 9 da GloboReprodução/TV Globo

É aqui que começam os problemas diretamente ligados às escolhas de Manuela Dias, autora da nova geração com moral altíssima na Globo. Nos primeiros capítulos do remake de Vale Tudo, a noveleira manteve certa reverência ao texto clássico de Gilberto Braga e companhia. Mas logo se tornou possível notar como ela tenta impor sua marca. Algumas modernizações acrescentaram cores e nuances interessantes ao melodrama. Duas delas se destacam nisso: a opção lógica de fazer da nova Maria de Fátima (Bella Campos) uma influencer ambiciosa e abilolada, o que faz todo sentido na era digital, e a introdução recente de um filho deficiente mantido às escondidas por Odete Roitman (Débora Bloch). No mais, Manuela vem tropeçando feio. Numa piscadela pueril aos assuntos do noticiário, já inventou uma subtrama ridícula sobre bebês reborn. E se superou ao substituir diálogos de respeito do original por uma constrangedora medição de forças de Raquel (Taís Araúkjo) e Heleninha Roitman (Paola Oliveira) numa roda de samba — o que deu à novela um ar de Malhação com cintura dura. Vale lembrar que nos remakes de Pantanal e Renascer o autor Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa, também inseriu mudanças que tiveram melhor ou pior efeito. Mas não com as consequências vexatórias que Vale Tudo está sofrendo.

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“Não tirarás as farpas afiadas da original em nome de pudores politicamente corretos”

Alexandre Nero como Marco Aurélio no remake de 'Vale Tudo'
Alexandre Nero como Marco Aurélio no remake de ‘Vale Tudo’Reprodução/ TV Globo/TV Globo

Esse mandamento é quase um desdobramento natural do anterior, mas não menos importante. Muitas vezes, à luz da moral e da evolução sociedade, detalhes de velhas novelas simplesmente não são mais aceitáveis. Alguma dose de bom senso, porém, é necessária para que não se descaracterize uma obra aclamada do passado. Em Pantanal, Bruno Luperi foi feliz ao realçar o empoderamento feminino da esposa oprimida Maria Bruaca (Isabela Teixeira), que se revelou um trunfo e tanto do remake. Na releitura de Renascer, as atualizações incluíram a aposta em um elenco com notável diversidade racial. Nesse ponto, Manuela Dias também acertou em Vale Tudo. Produto de uma época em que a TV refletia e validava os preconceitos de um país mais racista, a trama original tinha apenas dois personagens negros, em papéis para lá de subalternos. Algo amplamente compensado com opções como escalar duas estrelas negras, taís Araújo e Bella Campos, para os país centrais de Raquel Acioli e Maria de Fátima. No mais, contudo, os pruridos politicamente corretos só têm contribuído para eliminar as farpas irônicas e as vilanias absurdas que deliciavam a audiência no folhetim dos anos 1980. No afã de “humanizar” Odete Roitman e Maria de Fátima, a autora fez inclusive com que as duas já não sejam tão vistas como pessoas do mal por uma parcela dos espectadores. Mais: o empresário Marco Aurélio (Alexandre Nero), figura odiosa e corrupta que dava uma banana para o Brasil no final da original, agora virou quase um “brother” engraçado e carismático. Uma inversão de valores que fez de Vale Tudo um remake desdentado, descafeinado — e, infelizmente, desnecessário. Como disse em entrevista recente o consagrado e experiente Silvio de Abreu, ex-coordenador das novelas da Globo,  se era para Manuela Dias fazer tantas mudanças assim, que escrevesse uma nova novela.

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