Desde que o novo marco legal do saneamento entrou em vigor, em 2020, a participação da iniciativa privada no setor ganhou impulso com a realização de quase sessenta leilões de concessão em vinte estados. Com isso, 73 milhões de brasileiros em pouco mais de 1 500 municípios passaram a ser atendidos por companhias privadas. Sem dúvida, a principal vitrine dessa nova fase é a Sabesp, apontada como o destaque do setor de saneamento e como a Empresa do Ano da primeira edição do ranking TOP30 — As Melhores Empresas do Brasil. Privatizada em julho de 2024, a empresa ganhou um acionista de referência, a Equatorial Energia, com 15% de participação. Já o governo paulista reduziu sua fatia para 18%. O restante das ações foi pulverizado no mercado.

O novo contrato antecipou para 2029 a meta de universalizar os serviços nos 377 municípios atendidos pela empresa. Por isso, a ordem é acelerar o ritmo. “Investiremos em cinco anos o equivalente a tudo o que a Sabesp investiu em cinquenta anos como estatal”, afirma Carlos Piani, executivo que assumiu a presidência, em outubro do ano passado. “Temos mais de 500 obras em curso.” Os investimentos programados até 2029 somam 70 bilhões de reais, dos quais 35 bilhões já foram contratados neste primeiro ano pós-privatização. Cerca de 60% do total será aplicado na expansão da rede de água e esgoto. Como estatal, a concessionária era obrigada pelo governo paulista a servir apenas o perímetro urbano das cidades. Entre os seus novos deveres, está o de atender também às áreas rurais dos municípios, onde vivem 821 000 famílias. “A privatização trouxe um novo dinamismo”, afirma Debora Longo, diretora de operação e manutenção, que está há trinta anos na empresa.
Um exemplo é a parceria com a Vivo anunciada em agosto para a substituição de 4 milhões de hidrômetros instalados nas cidades de São Paulo e São José dos Campos por aparelhos inteligentes. O investimento será de 3,8 bilhões de reais e promete uma série de vantagens para a empresa e os seus clientes. Com os novos equipamentos, a Sabesp poderá medir remotamente o consumo de cada domicílio, além de detectar vazamentos, o que tornará a operação mais eficiente. Por meio de um aplicativo para celular, os clientes acompanharão seu consumo em tempo real, contribuindo para um uso mais racional da água em tempos de mudanças climáticas extremas. “Se ainda fôssemos uma estatal, esses projetos dificilmente sairiam do papel”, diz Longo.
Os investimentos em tecnologia são centrais na estratégia da Sabesp para melhorar sua eficiência. A empresa foi a primeira concessionária de saneamento do mundo a criar uma ferramenta que permite ao cliente solicitar a segunda via da conta e pagá-la pelo WhatsApp. Lançada em maio, a solução gerou 100 milhões de reais de receita em apenas dois meses. “Temos mais de 100 projetos de transformação digital em implantação”, afirma Denis Maia, diretor de cliente e tecnologia. “A Sabesp vive uma renovação sem precedentes.” Outro projeto que recebe atenção especial é a construção de um robusto centro de operações em sua sede, na Zona Oeste de São Paulo. Inspirado nos centros operados por concessionárias do setor elétrico, o local não vai apenas monitorar toda a rede de água e esgoto, mas será capaz também de controlá-la a distância. Isso vai acelerar as decisões em casos de emergência e racionalizar a operação no dia a dia, já que atualmente a tarefa é dividida entre dezesseis centros regionais.
Os resultados até agora são encorajadores. No primeiro semestre, 18,9 milhões de unidades foram conectadas à rede de água, uma alta de 0,6% sobre o mesmo período do ano passado. Outros 16,4 milhões de domicílios foram conectados à rede de esgoto. O número é 1% maior que o da comparação. A empresa registrou uma queda de 23% no número de vazamentos relatados pelos clientes. Tais iniciativas contribuem para elevar as receitas, mas um impulso fundamental nesse sentido foi o fim dos descontos concedidos a grandes consumidores da indústria e do varejo. A Sabesp estima que esses benefícios lhe custavam 800 milhões de reais por ano. Com isso, a receita líquida cresceu quase 10% no primeiro semestre e somou 11,7 bilhões de reais. A geração de caixa, medida pelo Ebitda, saltou 34%, para 7,3 bilhões. O desempenho é elogiado pelo mercado. “Desde a desestatização, a empresa reporta resultados acima do esperado”, afirma Régis Chinchila, analista da Terra Investimentos. “Houve expressiva redução de despesas e a rentabilidade é recorde.”

Apesar de manter o foco na universalização dos serviços, a Sabesp estuda outras vias de crescimento, como as aquisições. No início de outubro, a companhia anunciou a compra da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) por 1,1 bilhão de reais. O negócio aumentará a segurança hídrica ao integrar os reservatórios de Guarapiranga e da Billings, controlados pela Emae, à sua rede. Também diversificará as fontes de receita ao incorporar quatro usinas hidrelétricas com capacidade instalada de 961 megawatts. “É uma aquisição muito positiva, porque permitirá reduzir muito a intermitência na oferta de água na Grande São Paulo”, diz Gabriel Mollo, analista da Daycoval Corretora. “A Emae possui muita sinergia com a Sabesp.” Sendo uma das principais concessionárias de saneamento do mundo, Carlos Piani, seu presidente, não descarta voos maiores, como a internacionalização da companhia no futuro. A julgar pelos resultados até agora, há razões para sonhar alto.
Publicado em VEJA, outubro de 2025, edição VEJA Negócios nº 19

