A partir de 1º de agosto, os produtos brasileiros que entrarem nos Estados Unidos passarão a ser sobretaxados em 50% — a não ser, é claro, que um improvável acordo de última hora entre Brasília e Washington evite o tarifaço. No Brasil, o impasse acabou se tornando conveniente para o presidente Lula, que encontrou no confronto com Donald Trump uma oportunidade de unir a base, vestir o figurino de nacionalista e acusar a oposição de trair os interesses do país. A tensão com os americanos também serviu para estancar, ao menos por ora, a queda de sua popularidade. Sem justificativa econômica, Trump atrela as tarifas a fatores como o alinhamento brasileiro com o Brics em movimento contra o dólar e ao que chama de autoritarismo do STF, transformando o conflito comercial em cruzada ideológica.
Há esforços variados na tentativa de reduzir os danos do tarifaço, que incluem até a atuação do Planalto, embora a retórica agressiva de Lula caminhe na direção contrária à do entendimento. Dentro da percepção de que as pontes dos tradicionais canais diplomáticos estão prejudicadas, o setor produtivo nacional tenta se mobilizar por conta própria, recorrendo a contatos internacionais, contratando escritórios de lobby e pressionando o governo brasileiro. A Embraer, uma das mais atingidas, tem atuado intensamente nos bastidores. “Participamos de reuniões com autoridades de alto nível no Brasil e nos Estados Unidos”, diz Francisco Gomes Neto, CEO da empresa. “Buscamos uma solução semelhante à que isentou aeronaves em um acordo entre Estados Unidos e Reino Unido.” Entre os setores impactados pelo tarifaço estão também os de aço e frigoríficos.
Enquanto as articulações diplomáticas seguem sem resultado concreto, resta aos exportadores brasileiros tentar reduzir os prejuízos iminentes. Desde o anúncio da tarifa de 50% por Donald Trump, em 9 de julho, empresas do agronegócio e da indústria intensificaram os embarques rumo aos Estados Unidos na tentativa de antecipar-se à cobrança. A Cutrale, maior produtora de suco de laranja do país, redirecionou um navio que seguia para a Europa, desviando-o para o mercado americano. No Porto de Santos, o maior do Brasil, as exportações de proteína animal saltaram 96% em apenas duas semanas, enquanto os embarques de café cresceram 17%. A corrida elevou em 70% o tráfego de caminhões na região portuária.
Antecipar o envio das exportações obviamente não resolve tudo. A Frescatto, fornecedora brasileira de lagostas e peixes congelados para os Estados Unidos, teve que conceder um desconto emergencial de 40% a um cliente americano para salvar uma carga que já cruzava o Atlântico. “Absorvemos todo o impacto para garantir a venda e saímos no prejuízo”, afirma Rafael Barata, diretor de comércio exterior da companhia. A tática de subsidiar o importador, oferecendo descontos para compensar a tarifa, é insustentável para a maioria das companhias. Muitas já começaram a desacelerar a produção. É o caso da BrasPine, exportadora de molduras e artigos de madeira para a construção civil. Dependente quase que exclusivamente do mercado americano, a empresa deu férias coletivas a 1 500 de seus 2 500 funcionários após os clientes suspenderem novos pedidos. “Com essa sobretaxa, nossos produtos vão ficar até 40% mais caros que os concorrentes estrangeiros”, diz o sócio Armando Giacomet. “Não temos nenhuma chance de absorver esse impacto.”

A complexidade de operar em mercados alternativos expõe a vulnerabilidade de empresas que se especializaram nas demandas dos Estados Unidos. A Forbal, fabricante de autopeças para tratores e máquinas agrícolas, é um exemplo claro. Em março, a companhia inaugurou um centro de distribuição na Flórida, sua primeira unidade no exterior e um marco na estratégia de elevar a participação das exportações dos atuais 14% para 50% do faturamento até 2028. O problema é que boa parte das peças é produzida sob medida, com base nas especificações de cada cliente americano, o que torna inviável realocar os produtos para outros mercados. “Não é possível redirecionar essa mercadoria, porque são contratos muito específicos”, afirma Giuliano Santos, presidente da Forbal. “Com o aumento do custo final por causa da tarifa, alguns clientes já indicaram que podem buscar outros fornecedores.”
O clima é de apreensão mesmo em setores voltados para commodities — cuja exportação, em tese, pode ser redirecionada com mais facilidade. No Vale do São Francisco, principal polo exportador de mangas do país, os produtores se preparam para a colheita entre agosto e outubro, período em que quase toda a safra é destinada aos Estados Unidos. Com a tarifa de 50%, os embarques para lá se tornariam inviáveis, e a alternativa seria desviar os produtos para a Europa, o que criaria um excesso de oferta e derrubaria os preços no mercado europeu. Em qualquer cenário, os prejuízos serão inevitáveis. “Veremos uma forte redução de preços nos Estados Unidos para salvar parte da produção”, diz Nelson Costa Filho, presidente da Ibacem, maior exportadora brasileira de mangas para o país. “Mesmo assim, o volume embarcado será mínimo.”

Empreendedores e entidades setoriais admitem que têm orientado seus parceiros comerciais nos Estados Unidos a relatar ao governo americano os potenciais prejuízos que o tarifaço causará ao comércio bilateral. A estratégia busca sensibilizar Washington a partir da perspectiva das próprias empresas americanas, que também seriam afetadas pela medida. Um exemplo é a Kraft Heinz, gigante global de alimentos, que contratou o poderoso escritório de advocacia WilmerHale para pleitear junto à Casa Branca um regime de exceção ao café brasileiro, utilizado no processamento de produtos vendidos sob as marcas Maxwell House e Gevalia.

Se o empresariado nacional mantém ceticismo quanto à capacidade do governo de reverter o tarifaço, ao menos espera medidas concretas para reduzir seus efeitos. Coube ao vice-presidente Geraldo Alckmin a tarefa de liderar as negociações com os americanos enquanto articula, junto ao setor produtivo, formas de apoio emergencial. Empresários que participaram das reuniões com Alckmin compararam a gravidade do momento à crise provocada pela pandemia de covid-19 em 2020 e sugeriram um pacote semelhante ao adotado na época, com suspensão de tributos, crédito facilitado e medidas de desoneração.

Diante da relevância das exportações para os Estados Unidos em economias regionais, alguns governadores também já preparam programas estaduais de socorro às empresas mais atingidas. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas anunciou uma linha de crédito de 200 milhões de reais voltada aos exportadores. No Espírito Santo, Renato Casagrande criou um comitê emergencial para elaborar um plano. “Apoiaremos os exportadores da maneira que for possível”, disse Casagrande a VEJA. “Não podemos esperar, porque há o risco real de não haver negociação diplomática entre o Brasil e os americanos.” Além disso, o Senado brasileiro estuda enviar uma comitiva oficial a Washington na próxima semana. Parlamentares da Comissão de Relações Exteriores planejam reuniões com seus pares nos Estados Unidos para “plantar a semente do diálogo”.

Na quarta 23, em discurso na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro criticou as tarifas, sendo apoiado por representantes de outros quarenta países. O efeito disso é nulo, pois Trump passou a ignorar a entidade. No ambiente doméstico, ele se encontra pressionado diante do surgimento de novas provas de suas relações com Jeffrey Epstein, o magnata responsável por uma rede de exploração sexual de menores que se suicidou na cadeia em 2019. No campo externo, o republicano tem levado vantagem com a tática de ameaçar com uma retaliação alta para depois chegar a um acordo mais vantajoso. Na terça 22, ele anunciou a redução de 25% para 15% da tarifa aplicada sobre produtos japoneses. Em contrapartida, o país asiático ampliará os investimentos nos Estados Unidos e aumentará as importações de bens americanos. Negociar com o republicano não é difícil apenas para o Brasil, mas é possível, como mostra o exemplo. O caminho passa por deixar de lado as bravatas e investir no pragmatismo diplomático. Ainda há tempo de evitar o pior.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954