Somente um em cada quatro palestinos detidos em prisões em Israel são membros do Hamas ou da Jihad Islâmica Palestina, revelou o jornal britânico The Guardian nesta quinta-feira, 4, com base em dados militares israelenses confidenciais. A maioria dos prisioneiros é, então, composta por civis, que passam longos períodos sem acusação ou julgamento. Entre eles, estão profissionais da saúde, professores, funcionários públicos e de imprensa, escritores, crianças, pessoas doentes e com deficiências.
Casos analisados pelo The Guardian, pelo jornal hebraico Local Call e pela revista israelense-palestina +972 Magazine mostram que uma Fahamiya al-Khalidi, de 82 anos, com Alzheimer, ficou presa por seis semanas enquanto Abeer Ghaban, 40, uma mãe solo, foi libertada após 53 dias. Quando conseguiu sair, encontrou os filhos mendigando nas ruas. Um soldado israelense, sob condição de anonimato, disse ao jornal que a base militar de Sde Teiman, no Deserto do Neguev, abrigou tantos palestinos enfermos e idosos que foi apelidada de “canil geriátrico”.
“Lembro-me dela mancando muito em direção à clínica. E ela é classificada como combatente ilegal. A forma como esse rótulo é usado é insana”, disse o médico, cuja identidade não foi divulgada, que tratou Fahamiya após sua libertação. Há imagens que comprovam a versão.
Embora tenha reconhecido que a detenção da idosa “não foi apropriada e foi o resultado de um erro de julgamento local e isolado”, militares israelenses afirmaram ao The Guardian que “indivíduos com condições médicas ou mesmo deficiências ainda podem estar envolvidos em terrorismo”, citando o caso do ex-chefe militar do Hamas, Mohammed Deif.
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47 mil presos
A Inteligência de Israel mantém um banco de dados com mais de 47 mil pessoas presas que foram identificadas como combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina. As informações são baseadas em supostos arquivos capturados do Hamas. Em maio, segundo os veículos, o sistema listava 1.450 indivíduos detidos, o que equivale a apenas um em cada quatro palestinos detidos em prisões israelenses desde o início da guerra na Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023.
“Acreditamos que a proporção de civis entre os detidos seja ainda maior do que os próprios números de Israel sugerem”, disse Samir Zaqout, vice-diretor do Centro Al Mezan para os Direitos Humanos, que representa civis presos. “No máximo, talvez um em cada seis ou sete possa ter alguma ligação com o Hamas ou outras facções militantes e, mesmo assim, não necessariamente por meio de suas alas militares.”
Naquele mês, Israel já havia detido 6 mil pessoas sob sua legislação sobre combatentes ilegais. Acredita-se que também mantenha presos até 300 palestinos de Gaza suspeitos de participar nos ataques de 7 de outubro. Eles estão atrás das grades porque o governo israelense alega ter provas suficientes para processá-los, mas não há qualquer previsão de quando serão julgados. Ou seja, permanecerão presos sem o devido processo legal por tempo indeterminado.
A legislação israelense sobre combatentes ilegais permite detenção por tempo indeterminado sem a apresentação de provas em tribunal. Segundo o diretor do grupo de direitos legais palestinos Adalah, Hassan Jabareen, a lei foi “projetada para facilitar a detenção em massa de civis e desaparecimentos forçados”, acrescentando que ela retira dos detidos as proteções garantidas pelo direito internacional, incluindo salvaguardas especificamente destinadas a civis, usando o rótulo de ‘combatente ilegal’ para justificar a negação sistemática de seus direitos”.
Isso significa que Israel pode deter um palestino por 75 dias antes de permitir o acesso a um advogado e 45 dias antes de levá-lo a um juiz para conseguir a autorização para a prisão. Com a eclosão da guerra, esses períodos foram ampliados para 180 e 75 dias, respectivamente. Ao mesmo tempo, não há registro de que ninguém tenha sido julgado desde o início do conflito.
O exército israelense afirmou ter libertado mais de 2.000 civis detidos a Gaza após não encontrar conexões com o Hamas. Ainda em maio, 2.750 palestinos foram presos como combatentes ilegais e outros 1.050 foram libertados sob acordos de cessar-fogo, disseram militares ao jornal britânico. Mas, no discurso público, políticos e a imprensa israelense se refere, não raro, a todos os prisioneiros como “terroristas”.
“Assim que a onda de prisões em massa começou em Gaza, em outubro de 2023, houve sérias preocupações de que muitas pessoas não envolvidas estavam sendo detidas sem justa causa”, disse Tal Steiner, diretor do Comitê Público Contra a Tortura. “Essa preocupação foi confirmada quando soubemos que metade dos presos no início da guerra acabaram sendo libertados, demonstrando que não havia fundamento para sua detenção em primeiro lugar.”