Lula e Donald Trump se dizem surpreendidos com a fluidez e o tom cordial das conversas entre eles. Já foram duas em menos de um mês — a primeira durou 39 segundos num corredor da ONU, outra gastou meia hora ao telefone nesta segunda-feira (6/10). Eles preveem reciprocidade em visitas oficiais a Brasília e a Washington.
O degelo entre Lula e Trump pode ser observado como parte de um enredo singular: uma dupla de octogenários, amantes da própria voz acima de tudo, encontra no mundo à beira do abismo um palco para envernizar o epílogo das suas biografias.
A surpresa confessada de ambos parece derivada da descoberta de que já não precisam atravessar os mandatos algemados.
Por escolha, se tornaram reféns de um duelo retórico melodioso para as respectivas torcidas, mas ruinoso para os negócios entre os dois países.
O desfecho mais provável, suspeitam diplomatas, seria Trump se engajando numa intervenção antiLula na eleição do ano que vem.
As versões oficiais sobre a conversa desta segunda-feira não indicam acordo entre Trump e Lula. Com uma exceção: Jair Bolsonaro.
Três meses atrás, ele foi a razão declarada no decreto de sanção comercial (tarifa de 50%) ao Brasil. Trump não queria que fosse julgado. Mas acabou condenado a 27 anos e três meses de prisão por crimes contra a Constituição, entre eles, tentativa de golpe de estado.
Bolsonaro ficou de fora da agenda, foi o “não assunto” na conversa de Trump e Lula. O silêncio foi eloquente sobre a possibilidade de autocontenção da Casa Branca na eleição brasileira do próximo ano.
Um acordo “não perturbe em 2026” seria do tipo que não se escreve nem se fala, a diplomacia faz cumprir silenciosamente.
Pode ser menos difícil para o Itamaraty costurar, se Lula exercitar a autocontenção e parar de desqualificar como “preconceituoso” Marco Rubio, senador republicano e secretário de Estado, designado por Trump como negociador para o Brasil.