Poucos rituais em Washington são tão recorrentes quanto os embates orçamentários que culminam no fechamento da máquina pública. À meia-noite desta quarta-feira, 1, sem acordo entre republicanos e democratas, os Estados Unidos entraram em shutdown, a 15ª paralisação parcial do governo desde 1981. O impasse, que bloqueia parte da administração federal, reflete não apenas divergências fiscais, mas o uso calculado do orçamento como arma política.
Um shutdown não significa colapso total. Serviços considerados essenciais – como segurança nacional, hospitais militares e controle aéreo – seguem em funcionamento. Mas centenas de milhares de funcionários públicos são afastados ou trabalham sem salário, enquanto atividades como emissão de passaportes, inspeções de alimentos, concessão de empréstimos estudantis e manutenção de parques nacionais são suspensas. Em 2018/2019, a paralisação mais longa da história, com 35 dias, retirou cerca de US$ 11 bilhões da economia, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso.
Desta vez, a apreensão já se reflete nos mercados: bolsas e dólar em queda, ouro em alta. Mais que símbolos de instabilidade, esses movimentos apontam para um risco real. Sem dados econômicos oficiais, como o payroll, vital para o Federal Reserve e investidores, a formulação de políticas monetárias se torna mais difícil. O impacto cresce com a duração: um fechamento que dure três semanas pode elevar a taxa de desemprego de 4,3% para 4,7%, estima a Bloomberg Economics.
Embora o impasse seja travado em solo americano, seus efeitos ultrapassam fronteiras. O dólar, ainda a principal moeda de reserva global, oscila entre enfraquecimento tático (quando investidores buscam ativos alternativos) e fortalecimento defensivo (quando preferem refúgio seguro). Para países emergentes como o Brasil, essa volatilidade se traduz em real mais instável, pressões inflacionárias e custos de financiamento maiores.
O agronegócio brasileiro observa de perto. Um dólar mais fraco encurta a receita das exportações em reais, justamente no início da safra de soja e na reta final da colheita de milho. Por outro lado, pode aliviar o custo de fertilizantes e máquinas importadas. Para Felipe Jordy, gerente de inteligência e estratégia da Biond Agro, esse é um equilíbrio delicado: “O produtor rural tem margens muito sensíveis. Qualquer oscilação na moeda muda tanto a rentabilidade das exportações quanto a conta dos insumos, e isso pode virar uma faca de dois gumes em pouco tempo.” A moeda americana é negociada em queda neste primeiro dia de paralisação do governo americano, cotada a R$ 5,30 às 11h30. No mês de setembro, o dólar registou uma desvalorização de 2,26%.
A logística também não passa ilesa. Menos inspetores nos EUA significam gargalos em aeroportos, atrasos em voos e liberação mais lenta de cargas. Jackson Campos, especialista em comércio exterior, ressalta o efeito imediato sobre empresas brasileiras: “Quando a alfândega americana trava, o impacto não demora a chegar aqui. Exportadores arcam com custos extras de armazenagem e seguros, enquanto indústrias que dependem de insumos dos Estados Unidos enfrentam risco real de paralisação de linhas de produção.” Setores industriais com cadeias integradas ao mercado americano – automotivo, químico e médico – sentem o impacto de forma quase imediata.
A vulnerabilidade brasileira se manifesta sobretudo pelo canal financeiro. Um shutdown prolongado eleva o prêmio de risco global, encarece o crédito e pressiona a curva de juros locais. Investidores tendem a buscar segurança em ativos americanos quando o impasse parece temporário; se a crise se alonga, buscam alternativas em ouro ou ativos privados. Em ambos os cenários, o capital de risco disponível para emergentes diminui. “Já vivemos em um ambiente de juros altos e liquidez escassa”, lembra Pedro Da Matta, da Audax Capital. “O shutdown adiciona incerteza, o que valoriza estruturas privadas de crédito e pressiona a capacidade de financiamento no Brasil.”