A recomendação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para que consumidores evitem destilados diante do aumento dos casos de intoxicação por metanol trouxe alerta ao setor de bebidas alcoólicas. Embora a fala tenha como alvo principal o combate ao mercado clandestino, empresários temem que a percepção de risco afete também a imagem de marcas formais e reduza o consumo de destilados, especialmente em bares e restaurantes.
“Recomendo na condição de ministro da Saúde, mas também como médico: evite, neste momento, ingerir um produto destilado, sobretudo os incolores, que você não tem a absoluta certeza da origem dele”, disse Padilha.
De acordo com o Ministério da Saúde, já são 59 notificações suspeitas de intoxicação por metanol, das quais 53 em São Paulo. Onze tiveram confirmação laboratorial da substância, um álcool industrial altamente tóxico. Para monitorar os casos, a pasta instalou uma “sala de situação” e mobilizou estoques emergenciais de etanol farmacêutico em hospitais federais.
O etanol farmacêutico é um dos principais antídotos contra intoxicação por metanol, retardando sua metabolização e permitindo que o corpo elimine parte da substância de forma menos danosa. Por isso, o governo determinou a compra de 4.300 ampolas do produto, para garantir que hospitais e centros de referência em diferentes regiões do país tenham acesso imediato ao tratamento.
Entidades como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) reagiram rapidamente à fala do ministro. A associação destacou que não há registro de intoxicações por metanol em bares e que os casos investigados envolvem bebidas adquiridas de fornecedores informais. “É importante destacar que nenhum desses casos foi associado ao consumo de bebidas com metanol em bares: um dos estabelecimentos foi alvo de denúncia de cliente, mas já apresentou nota fiscal comprovando a origem dos produtos; outros foram fechados por falta de nota fiscal, mas em nenhum deles houve qualquer indício de bebida adulterada”, informou a entidade. “O alerta do ministro é o mesmo que já fazemos há anos: só compre de fornecedores confiáveis”, disse a Abrasel.
Bares de São Paulo já sofrem impactos diretos: alguns tiveram queda de movimento, enquanto outros foram obrigados a suspender a venda de destilados por cautela dos clientes. Houve ainda estabelecimentos fechados por questões fiscais, mas sem ligação com metanol.
Importadoras também entraram no debate. A Decanter, uma das maiores do setor de vinhos, divulgou comunicado reafirmando que todos os rótulos que traz ao Brasil passam por análises laboratoriais obrigatórias e chegam com certificação oficial do Ministério da Agricultura. “A Decanter trabalha há quase três décadas oferecendo vinhos autênticos, certificados e seguros. O grupo reafirma seu compromisso com a qualidade e a confiança dos consumidores. Se um produto não tiver nosso contrarrótulo, é contrabando”, reforçou a empresa.
A Aurora Fine Brands, uma das principais importadoras e distribuidoras de bebidas premium no Brasil – responsável por trazer ao país rótulos de destilados internacionais como Absolut, Chivas Regal, Ballantine’s, Beefeater, Havana Club e Malibu – informou que não iria se pronunciar diretamente sobre o tema. Segundo a empresa, por orientação interna, a manifestação caberia à Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). Até a conclusão desta reportagem, porém, a entidade ainda não havia se posicionado.
Drink seguro
Para blindar a credibilidade do setor, bares iniciaram campanhas de prevenção, promovendo o conceito de “drink seguro” e divulgando que só trabalham com produtos certificados. Segundo a Abrasel, Mais de 13 mil profissionais já participaram de treinamentos online oferecidos por associações do setor para identificar e diferenciar bebidas autênticas das falsificadas.
Se grandes marcas e redes de bares conseguem sustentar a confiança com certificações e escala de distribuição, pequenos produtores artesanais, especialmente de gin, temem sofrer com a retração. “O consumidor pode adotar uma postura de desconfiança generalizada”, avalia um empresário do segmento.
A Polícia Civil e a Polícia Federal intensificaram ações contra laboratórios e distribuidores ilegais. Um dos focos está na prática de reutilização de garrafas originais para envasar bebidas adulteradas, expediente que confere aparência de legitimidade a produtos irregulares.
Especialistas do setor avaliam que a fala do ministro pode provocar uma mudança temporária no padrão de consumo: queda na procura por destilados incolores (como cachaça, vodka e gin de baixo custo) e leve migração para cervejas e chopes, mais difíceis de adulterar.
Para além do impacto imediato nas vendas, a recomendação do ministro acendeu um alerta estrutural. A indústria de bebidas, de multinacionais a microdestilarias, deve ser pressionada a investir em mecanismos de rastreabilidade mais visíveis ao consumidor, como QR codes de origem e certificações reforçadas.
Se por um lado a fala de Padilha trouxe temor de retração, por outro abre espaço para que empresas sérias se diferenciem e capitalizem em cima da confiança. O conceito de “drink seguro”, antes restrito a campanhas setoriais, pode se consolidar como um novo selo de qualidade para o mercado brasileiro.