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Será que desta vez vai? Há motivo para algum otimismo sobre Gaza

Assumindo sua alma de vendedor, Donald Trump argumentou: “Temos uma chance real de grandeza no Oriente Médio”.

A realidade nos ensina a ter cautela, mas as declarações públicas e os vazamentos praticados com intensidade justificam a arte do vazamento ter alguma esperança de que a infernal questão do que fazer com Gaza e os territórios palestinos possa ser encaminhada no rumo, se não da solução definitiva, pelo menos dentro de um arcabouço em que todos os principais atores concordem com as condições básicas.

Os vazamentos foram plantados por Jared Kushner e Steve Witkoff, o genro e o amigo e negociador-mor de Donald Trump, com o mesmo objetivo: pressionar Benjamin Netanyahu a aceitar o plano de 21 pontos elaborado para abarcar as questões mais imediatas e também as de médio prazo.

Todo mundo conhece o dilema do primeiro-ministro israelense: se ceder demais, perde o apoio dos extremistas que integram sua coalizão de governo. A favor dele, tem o peso da maioria da opinião pública, favorável a um acordo. Até seus eleitores, de direita, apoiam majoritariamente um acordo, com 44% a favor e 33% contra.

O melhor, no curto prazo, do plano Trump é que os 48 reféns, vivos e mortos, seriam libertados nas primeiras 48 horas de vigência do acordo. A guerra, evidentemente, seria interrompida, salvando vidas de civis palestinos que são o terrível corolário do conflito transformado em guerrilha urbana, uma forma nefasta de combate.

BOM TRÂNSITO

Note-se que os dois nomes envolvidos nas pressões sobre Netanyahu são judeus americanos – Kushner, inclusive, sendo de uma família que o levou a conhecer o primeiro-ministro desde criança. Isso dá uma razoável garantia de que Israel não está sendo acuado na direção de um acordo ruim – “Um estado terrorista enfiado em nossa goela abaixo”, na definição de Netanyahu. Também é judeu o megabilionário Larry Ellison, da Oracle, o principal doador de um homem que , inesperadamente, fez uma grande intermediação de bastidores, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.

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Odiado pela esquerda por ter assumido uma posição de direita – o apoio à equivocada invasão do Iraque na época do governo de George Bush filho – e pela direita por ter seguido políticas de esquerda, como a abertura a uma grande onda de imigração na Grã-Bretanha, Blair recebe dinheiro para seu instituto internacional tanto de Ellison quanto do governo da Arábia Saudita, o que lhe dá um bom trânsito entre atores importantes.

Muito do plano Trump foi inspirado em propostas de Tony Blair. Sistemicamente, o plano prevê que o Hamas se desarme, deixe as instituições governamentais que domina em Gaza – todas – e que seus integrantes que renunciarem à violência sejam anistiados.

Gaza seria desmilitarizada e haveria um programa para desradicalizar a população, cujos sentimentos foram vistos na participação e comemoração ao ataque de 7 de Outubro e nas ameaças feitas aos reféns que passaram por uma espécie de corredor polonês quando foram arrastados para o cativeiro.

ANEXAÇÃO VETADA

Governar uma encrenca dessas proporções caberia a um órgão interino, integrado por tecnocratas palestinos, sob supervisão de um novo órgão internacional, acordado entre Estados Unidos, Europa e países-chave do Oriente Médio. Tony Blair poderia atuar nesse processo e talvez até presidir o processo.

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Ao contrário de maluquices à la Trump agora abandonadas, como esvaziar Gaza e criar resorts turísticos no lugar, a população seria incentivada a permanecer enquanto a reconstrução – de proporções gigantescas, diante do tamanho da destruição – seria tocada com doações de países árabes ricos e dos Estados Unidos.

Num futuro distante, difícil de conceber nas circunstâncias atuais, haveria um caminho para um Estado palestino, unificando Gaza e a Cisjordânia, como é justo que aconteça nas condições certas.

Para dar uma folga a Netanyahu, sob pressão de seus próprios radicais, Donald Trump disse duas vezes que não permitirá a anexação da Cisjordânia. Se o presidente dos Estados Unidos diz não, fica difícil para os ultranacionalistas se opor – embora seja exatamente o que estão fazendo.

IMPROVÁVEL PACIFICADOR

O plano de paz é uma vitória da esperança sobre a experiência, e muitos detalhes foram lapidados por Steve Witkoff, um bilionário do mundo imobiliário de Nova York, onde fez amizade com Trump. Ridicularizado pela total falta de experiência diplomática – mas com bons contatos no mundo dos árabes ricos do Golfo -, ele é um improvável pacificador que deixará todos os louros, se o plano se realizar, para Trump.

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Todas as pessoas de boa vontade só podem torcer para que as propostas sejam bem sucedidas. Entre outros inúmeros motivos, dos quais é supremo o fim do sofrimento humano visto nos últimos quase três anos, estão os benefícios para Israel, sob ataques diplomáticos de firmes aliados no passado.

Cada um dos 21 pontos do plano parece, em si, uma impossibilidade. Imaginem a dificuldade de coordenar todos eles. Mas é enfrentando o impossível que o possível se torna mais realizável.

Alguém imaginaria que personalidades tão díspares como Donald Trump, Steve Witkoff, Benjamin Netanyahu e Tony Blair, além de representantes dos países árabes que têm algum tipo de entendimento com Israel, poderiam chegar a um objetivo comum – a tão elusiva paz que garanta segurança a Israel, um Estado palestino e uma desmobilização geral de um dos lugar para conflagrados do mundo? E que tudo começaria imediatamente com a libertação dos seres humanos enterrados nas catacumbas de Gaza?

A imprensa israelense indicou que os pontos que ainda estão no ar: o Catar quer uma retirada total de Israel, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos condicionam sua participação ao desarmamento do Hamas e Israel não abre mão de continuar ocupando uma faixa de território em Gaza chamada Corredor Philadelphia (um nome que sabe de onde veio). Irão os negociadores conciliar demandas tão complexas? Até agora, esta é a maior chance de que isso aconteça.

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