Ah, eram colaboradores, eram de clãs inimigos, eram palestinos da facção errada. Ou, simplesmente, os palestinos errados, não aqueles que merecem a preocupação de Greta Thunberg e companhia. Muitas justificativas já estão circulando sobre a extrema barbárie registrada em ruas de Gaza, onde o Hamas está arrastando adversários, espancados e torturados, para executá-los diante da plebe. Ao todo, até agora foram 32 execuções.
Ironicamente, era a presença do Exército israelense que garantia a sua vida. Retirados os soldados, pelo acordo que permitiu a histórica libertação dos vinte reféns remanescentes e o início de um plano que, se os céus ajudarem, poderá trazer um entendimento de longo prazo, o Hamas ficou livre para ressurgir nas ruas de Gaza e se vingar. Um dos vídeos mais chocantes mostra oito execuções. Alguns tiveram que ser arrastados para levar as balas na cabeça porque não conseguiam nem mais andar.
Os executados pertencem a clãs, grupos familiares que se dedicam ao contrabando, entre outros crimes, e têm poder próprio – uma ameaça para os fundamentalistas, não obstante, operem em conjunto quando isso interessa às duas partes.
Uma das tentativas feitas por incentivo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi cooptar alguns desses clãs para criar uma alternativa de poder, uma vez que ninguém sabe quem teria condições de substituir o Hamas na administração de Gaza, conforme prevê o acordo. Não parece ter dado muito certo, embora a reação assassina do Hamas indique que sentiu o perigo.
‘CÃES DO HAMAS’
Não que os agora perseguidos sejam muito diferentes. Alguns clãs se vingaram de membros do Hamas quando os israelenses se retiraram, com executados na casa das dezenas. Nas redes sociais, uma postagem: “Não há lugar para os cães do Hamas”.
“Estamos dispostos a cooperar com qualquer um que traga ajuda para o nosso povo”, disse numa entrevista por telefone ao jornal inglês The Telegraph, o líder de um clã conhecido, Hossan Al-Astal, quando perguntado se aceitaria um governo em coordenação com um grupo internacional liderado pelo ex-primeiro-ministro Tony Blair, cujo papel nas negociações para o acordo de paz foi muito importante.
Astal tinha sido preso pelo Hamas, mas conseguiu fugir quando os guardas escaparam, certos de que haveria um ataque de Israel. Astal passou a colaborar com os israelenses, já prevendo um futuro em que seu grupo teria uma atuação importantes, mas faltou combinar com o Hamas.
A atuação armada do Hamas obviamente ressalta um dos maiores problemas da etapa seguinte à libertação dos reféns e a retirada de Israel para a primeira linha de recuo – atualmente, 57% da faixa ainda está em poder dos israelenses.
VIDA DE LUXO NO EXÍLIO
Como irá o grupo fundamentalista entregar armas e aceitar ou uma anistia ou a saída de Gaza, de forma a que um governo formado por tecnocratas palestinos recrutados em todo o mundo, com forte apoio de um conselho internacional, assuma a administração de Gaza e as etapas que levem à reconstrução e à estabilização com Israel? Note-se que nem estamos falando ainda num futuro estado palestino, uma construção muito mais complicada.
Os problemas pela frente são tremendos, mas as soluções propostas pelo plano Trump têm um extraordinário respaldo de todos os países que contam no mundo, inclusive muçulmanos como Turquia, Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e outros players importantes. Só eles têm os instrumentos necessários – vulgarmente conhecido como dinheiro, além de oferecer uma vida de luxo no exílio – para obrigar o Hamas a ceder.
Palestinos matando palestinos não é exatamente uma novidade, principalmente em Gaza, onde houve uma miniguerra civil em 2007, quando se enfrentaram as forças do Hamas e da Fatah, o braço armado da Autoridade Palestina hoje no governo da Cisjordânia.
Os militantes da Fatah foram torturados, fuzilados e jogados do alto de prédios. Não houve protestos em nenhuma universidade do mundo ocidental. Ninguém se fantasiou de militante, com lenço xadrez na cabeça, talvez por que fosse difícil empurrar a culpa para os israelenses – bem, sempre é possível dar um jeito nisso, mas aquilo parecia complicado demais para os especialistas em Oriente Médio que brotam a cada conflito.
CHORO E RANGER DE DENTES
Será que dessa vez poderá ser diferente? Será que Greta vai zarpar numa flotilha para salvar os infelizes que estão sendo executados no meio da rua? Ou tudo será debitado na conta do demônico inimigo dos tolos sabichões de todo o planeta, Benjamin Netanyahu?
A loucura antissemita chegou ao ponto em que Christiane Amanpour, entrevistadora estrela da CNN, precisou reconhecer que foi “um erro” dizer que os reféns foram mais bem tratados do que a população de Gaza. E um jornal de alta respeitabilidade como o El País fez uma reportagem com o choro e a frustração de parentes de um terrorista deportado de última hora para o Egito.
Mohammad Imran, da Jihad Islâmica, participou de um ataque a tiros em que foram mortos doze militares, policiais e judeus religiosos numa estrada de Hebron. “Nada acalma seu pranto”, escreveu o jornalista em tom choroso sobre os irmãos do terrorista.
É, realmente, de chorar. E ranger os dentes Ou de rir, imaginando sua reação a declarações como a de Basem Naim, ex-ministro da saúde do Hamas, agradecendo a interferência pessoal do presidente Trump” para pressionar Netanyahu. Vale a pena ouvi-las. Ao contrário de tantos artistas e comentaristas, engasgados com o avanço de Donald Trump, ele faz um balanço equilibrado da importância da intervenção do presidente americano, claro que do ponto de vista do Hamas – hoje mais avançado do que o dos inimigos de Israel no mundo ocidental. Quem imaginaria uma coisa dessas? Já pensaram se Greta sair dizendo, como os palestinos filmados numa fila de distribuição de comida, “I love you, Trump”?