Sobre o incessante debate acerca da regulamentação da inteligência artificial, paira a questão de quem ditará os rumos da tecnologia: serão os magnatas gananciosos do vale do silício ou as iniciativas que propõem revisões na ferramenta em nome da preservação de direitos autorais e do meio ambiente? E por que não uma boneca robótica cabeçuda que adora dançar, falar palavrões e assassinar adultos negligentes, valentões juvenis e cachorros violentos? Ao longo de duas horas, é o que argumenta a estreia mais besta — e divertida — da semana nos cinemas, M3gan 2.0.
Situado anos após os acontecimentos de M3gan (2022), o filme retoma a história de Gemma (Alison Williams), que continua a ocupar o papel de tutora da sobrinha órfã, agora adolescente, Cady (Violet McGraw). Tendo aprendido a lição após criar a boneca que matou seis pessoas e um animal em nome da proteção da garota, a inventora agora é ativista anti-IA e advoga pela redução do tempo de tela acessível a crianças e adolescentes. A nova vocação a aproxima da filha adotiva, mas a afasta das responsabilidades da empresa de engenharia mecatrônica que chefia. Distraída, ela não percebe os sinais da conspiração que está sendo orquestrada abaixo do seu nariz, até ser informada sobre o advento de uma nova boneca mortal a partir do código original de M3gan. Chamada Amelia, a androide novata tem aparência adulta e mais fidedigna a uma humana real e acaba de passar a perna no serviço secreto americano. Só uma outra “pessoa”, claro, pode impedi-la. Dessa forma, Gemma é obrigada a reconstruir o corpo de M3gan, cuja consciência sobreviveu escondida na nuvem digital e amadureceu.
Devoto à falta de seriedade, o novo filme se alicerça no divertimento barato. No elenco humano, Williams — ótima com o humor seco desde a série Girls (2012-2017), da HBO —, Brian Jordan Alvarez e Jemaine Clement se destacam como apoio à boneca. A trama, por outro lado, arranha em comentários pertinentes e é melhor enquanto paródia de enredos do terror sobre famílias complicadas quando força Gemma, Cady e M3gan a estruturarem seu convívio. Obstinada, a humana tem que ser convencida da sensibilidade crescente da androide, que em resposta tem que colocar a sede de sangue de lado para proteger a menina e não matar ninguém de carne e osso. A dinâmica é refrescante, nuançada o suficiente e deságua em um ápice musical ainda mais engraçado do que a versão de Titanium entoada pela boneca no longa anterior.
O horror, evidentemente, foi parar na lixeira. A atualização de sistema acerta ao capitalizar no legado mais duradouro do filme original: a personalidade cáustica, a voz irônica e o visual bizarro da boneca título, que agora assume o papel de anti-heroína de ação ao longo de uma trama mais semelhante à fórmula de Missão: Impossível do que aos crimes da saga Brinquedo Assassino. Turbinada, a nova M3gan sequer precisa de um corpo a todo tempo e se torna uma figura digital onipresente e imortal, capaz de exercer a violência e de fazer piadas sobre o que ocorre a qualquer hora. A invencibilidade da personagem demonstra que os produtores James Wan, Jason Blum e Allison Williams bem sabem que nada morre na internet e que o ingrediente essencial para uma franquia inesgotável de filmes B está longe de ser a qualidade fílmica, a esperteza do roteiro ou a capacidade de assustar, mas é um personagem instantaneamente reconhecível e sempre reutilizável. M3gan ganhou uma sequência por ter conquistado a adoração volátil da internet, mas se mostra bem mais duradoura que um meme passageiro. Chucky, o Exterminador, Michael Myers e outros brutamontes do cinema que se cuidem, o panteão acaba de ganhar sua integrante mais glamourosa.
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