O poder das personalidades, infelizmente, continua a ser não só grande, como definidor em nossas terras latino-americanas. O exemplo mais claro é o da Bolívia: no primeiro turno da eleição presidencial, no próximo domingo, os dois candidatos mais cotados, Jorge Quiroga e Samuel Doria Medina, são de direita. Evo Morales, a figura dominante nas últimas décadas, não pode concorrer por estar inelegível – a justiça eleitoral e o Supremo Tribunal coincidiram que ele não poderia mais se candidatar por ter exercido quatro mandatos presidenciais.
Sem Evo, e com o homem que seria seu sucessor, Luis Arce, sem condições de disputar a reeleição por impopularidade terminal, os candidatos de esquerda não alcançam 10%. Evo e seus partidários defendem o voto nulo, um fim melancólico para um político que já foi tão popular.
O segundo turno é só em 19 de outubro e tudo sempre pode mudar na Bolívia, mas as perspectivas no momento são de uma disputa entre os dois candidatos de direita. As eleições legislativas também mostram uma esquerda em total refluxo.
No Chile, a esquerda também vive um momento complicado. José Antonio Kast, o empresário que gosta de ser comparado a Jair Bolsonaro, passou à frente nas pesquisa, com 28%, da comunista Jeannette Jara, com 26%. Na última eleição, Kast também foi o mais votado no primeiro turno, mas perdeu no segundo para Gabriel Boric. A maioria dos chilenos resolveu apostar na esquerda com nova cara, mas é possível que tenha sofrido de remorso de consumidor. A derrota da constituição cheia de maluquices progressistas foi um marco nesse processo.
ERRO CATASTRÓFICO
A transferência de votos, obviamente, não é obrigatória, mas nenhum dos outros candidatos chilenos em posições melhores é de esquerda. Em compensação, a candidata da direita mais tradicional, Evelyn Matthei, está caindo rapidamente. Ela se enrolou ao dizer que, sem o golpe militar, o Chile “iria direto para Cuba,” o que é verdade, mas pega mal diante da rejeição ao regime pinochetista. Foi um erro catastrófico.
Na Colômbia, a eleição presidencial será apenas em maio do ano que vem e o país passa por um momento convulsionado diante da morte, previsível, mas chocante, do candidato mais promissor, Miguel Uribe.
O senador, do partido direitista Centro Democrático, passou dois meses inconsciente depois de levar dois tiros na cabeça, num atentado cometido por um adolescente de quinze anos. Os mandantes diretos foram identificados, mas os responsáveis principais continuam misteriosos, permitindo todo tipo de especulação, inclusive o de que uma dissidência das Farc teria destinado oito milhões de dólares para financiar assassinatos de políticos de direita. Parece absurdo, mas a Colômbia tem o dom de desafiar o bom senso.
Gustavo Petro não pode disputar a reeleição – e nem que pudesse ganharia. Tem sido uma experiência fracassada de populismo de esquerda, com uma verborragia e um estilo que o tornariam um bom personagem de literatura latino-americana, mas na vida real produziram um péssimo presidente.
PRESO, MAS NÃO CALADO
A situação só não é pior para a esquerda porque o grande nome da direita, o ex-presidente Álvaro Uribe, está cumprindo em prisão domiciliar a condenação a doze anos, por corrupção de testemunha, uma decisão de primeira instância que foi executada de imediato, criando a impressão de que a justiça não é exatamente imparcial.
Uribe está preso, mas não calado. Continua postando e comprando briga. O ataque mais recente foi ao sucessor com o qual rompeu, Juan Manuel Santos, acusado de hipócrita por comparecer ao velório de Miguel Uribe. “Nessa hora de dor, aumenta meu tormento ver a hipocrisia de Santos, que devolveu o poder aos criminosos”, fulminou.
O ex-presidente também continua a ser uma figura influente e 18,6% dos colombianos disseram, numa pesquisa recente, que votariam no nome indicado por ele para disputar a presidência. Quem será? A única coisa que podemos ter certeza, no momento, é que será alguém de muita coragem para assumir uma atividade de alto risco como disputar a candidatura presidencial – foram oito candidatos assassinados desde os anos oitenta.
Também estamos vendo que a esquerda desmorona na falta do líder populista – um fato que deve estar sendo analisado pelas lideranças políticas do Brasil, principalmente as que querem se manter no poder. E a direita ocupa espaços, mas está sempre perto de cometer um erro fatal.