Doze metros quadrados é o espaço da cela numa ala isolada do presídio La Santé, no 14º distrito de Paris, novo endereço residencial do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, 70 anos.
O prédio tem século e meio de histórias de presidiários famosos. Em 1911, por exemplo, poeta Guillaume Apollinaire e o pintor Pablo Picasso foram vítimas de notícias falsas sobre o roubo da Mona Lisa de Leonardo Da Vinci. Picasso fugiu de Paris. Apollinaire passou uma semana no La Santé até ser declarado inocente.
Por um tempo, abrigou também o mercenário Ilich Ramírez Sánchez, mais conhecido como Carlos, o Chacal. Terrorista profissional, sequestrou onze ministros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em 1975. Preso, confessou 83 assassinatos: “Foram muitas pessoas, sim, mas não o suficiente”. Chacal, que já não habita o La Santé, cumpre o roteiro do presidiário condenado a três perpétuas.
A sentença de Sarkozy prevê que permaneça encarcerado pelos próximos cinco anos. Seus advogados, porém, dizem achar possível resgatá-lo para a prisão domiciliar nos próximos dias.
Por ironia, o ex-presidente da França recebeu ordem de recolhimento à cela do La Santé na segunda-feira (20/10), no 14º aniversário da captura e assassinato de Muammar Kadafi, ditador da Líbia por 42 anos.
Sarkozy está na cadeia por financiamento ilegal para a eleição presidencial de 2007 e a tentativa frustrada de reeleição em 2012. Recebeu de Kadafi 50 milhões de euros, equivalentes a 312 milhões de reais, mas declarou menos da metade.
O ditador líbio era, antes de tudo, um psicopata governando uma bacia de petróleo. Entre outras coisas, em 1988 patrocinou o ataque terrorista na Escócia que derrubou um Boeing e matou 270 pessoas que estavam a bordo. Mais tarde, pagou 2,5 bilhões de euros (15,6 bilhões de reais) em indenizações.
O caixa de Kadafi magnetizava candidatos de todos os matizes em romarias à capital da Líbia. Sarkozy foi, Lula também.
Nos dois primeiros mandatos (2003 a 2010), Lula se reuniu quatro vezes com Kadafi, praticamente um encontro a cada 24 meses, na contagem do repórter Jailton Carvalho.
Ainda não completara o primeiro ano de governo quando desembarcou em Trípoli, na terça-feira 9 de dezembro de 2003. Foi informado sobre as regras de Kadafi: visitantes deveriam aguardar o seu chamado.
“Lula, então, fica de plantão no hotel”, relataram os repórteres Eduardo Scolese e Leonencio Nossa no livro Viagens com o presidente (2021). “No início da tarde, um emissário do governo líbio que está no saguão do hotel da comitiva brasileira dá ao ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) o sinal verde para a saída do presidente. Lula se arruma rapidamente.”
Estava de saída quando soube que Kadafi somente poderia recebê-lo mais tarde. Ficou no quarto. O protocolo paranoico se repetiu duas vezes, e incluiu o corte dos canais de comunicação dos seguranças do presidente brasileiro. Lula ameaçou voltar ao Brasil e acabou recebido.
Voltou à Líbia em 2009. Num discurso reverenciou o ditador — “amigo e irmão”, nas suas palavras. Dois anos depois, os líbios se rebelaram e derrubaram o regime com ajuda de governos europeus, entre eles a França de Sarkozy.
Kadafi fugia quando foi baleado, capturado numa tubulação de esgoto, arrastado por multidão e assassinado em praça pública na terça-feira 20 de outubro de 2011.
É provável que na próxima viagem à França, Lula visite Sarkozy. Ficaram amigos quando eram presidentes. “Eu gostei de seu jeito de ver as pessoas e as situações”, contou o francês em livro de memórias.