Finalista do Earthshot 2025, que reconhece soluções inovadoras, para o meio ambiente, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é uma iniciativa brasileira, que começou a ser desenhada a partir de uma ideia simples de um ecólogo, Garo Batmanian, diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Biólogo de formação, com a ajuda de sua equipe, e especialista idealizou um fundo de conservação ambiental diferente que financia países que sempre preservaram suas florestas. Em geral, as ferramentas financeiras pagam pela diminuição do desmatamento.
Garo apresentou o conceito para o ministro Fernando Haddad, depois para o presidente da COP Andrea Correia do Lago, que na época era o secretário-geral e negociador do Brasil, e então para a ministra Marina Silva. Todos se animaram com a ideia. “Só, então, contamos para o presidente Luís Inácio Lula da Silva, que também gostou”, diz Garo. A partir daí as esquipes do governo, inclusive os técnicos da Fazenda, passaram a estruturar a ferramenta financeira, para ser autossustentável e incluir gatilhos sociais . Como estava envolvido desde o início, o ecólogo foi nomeado coordenador do TFFF.
Enquanto o instrumento estava no forno, começaram a testar sua aderência no mercado internacional. A primeira exposição foi na COP28, em Dubai. Depois veio a COP de Baku, a reunião do Grupo dos 20, formado pelos ministros das finanças e chefes de bancos centrais, e a dos Brics, aliança dos países emergentes. A ferramenta foi aplaudida em todos os encontros. Em menos de um mês, o fundo será oficialmente lançado em Belém, durante a COP30. Em entrevista à Veja, Garo desvenda o mecanismo do TFFF e o impacto que promete.
O senhor é um ecólogo e não um economista. Como a ideia saiu justamente do Meio Ambiente? O desafio do Brasil era arrumar um jeito de conservar florestas. Então começamos a pensar fora da caixinha e arrumar um outro jeito de conservar florestas. Basicamente é isso. Fundos de renda fixa existem no mundo inteiro. Um fundo de renda fixa organizado para financiar países, que já protegem suas florestas não existe. O objetivo é a floresta. Por isso que isso começou no Ministério do Meio Ambiente. O objetivo não é a finança. A finança é o meio para chegar lá. A partir do momento que você investe, além de conseguir meios de manutenção da floresta, você ainda tem retorno de capital.
Como funciona a maioria dos fundos de conservação? A maioria dos mecanismos, se não todos os mecanismos que existem hoje em dia, é voltado para países que têm média alta de desmatamento. O objetivo é estimular a redução e para isso paga-se pelo carbono que deixou de emitir ao reduzir a taxa de destruição. Por exemplo, se nos últimos dez anos, a região emitia em média desmatamento de um milhão de hectares, mas baixou para 900 mil, a diferença de 100 mil é transformada em carbono não emitido, que tem um preço de mercado e isso vira um financiamento. Mas é jurisdicional. Trata-se de um incentivo para reduzir o desmatamento. O Fundo Amazônia, criado pelo governo do Pará, é assim. Mas os países que possuem baixam desmatamento também precisam arcar com a conservação. Mas esses mecanismos excluem os países que já fazem a lição de casa e não recebem nada por isso.
Ou seja, os senhores mudaram a lógica? Sim, mesmo que o desmatamento acabe, não termina a necessidade de continuar investindo em conservação. Em vez de focar no desmatamento, miramos nos países que já fizeram o seu dever de casa. Então, o fundo não é para todo mundo. O TFFF é para os países que já têm desmatamento abaixo da média mundial. Eles passam a receber por hectare de floresta em pé. Se eles plantarem mais um hectare de floresta, recebem mais um hectare de pagamento.
Não teria que ter um gatilho que também estimulasse a não devastar? Também colocamos alguns gatilhos para o desmatamento diminuir porque ele ainda não é zero. Para cada hectare que ainda é desmatado, o país perde o direito de receber pagamentos entre 100 e 200 hectares. Então, à medida que você diminui o seu desmatamento, o seu pagamento pela floresta em pé cresce.
Soube que o fundo também prevê a degradação dessas áreas. Como é isso? Se o país tem um hectare de floresta degradada, você perde o direito sobre 35 hectares de pagamento de floresta tropical. Isso é uma grande mudança na forma de pensar. Muito bem. Então, no invés de pagar pelo carbono, a conta é pelo hectare. A vantagem é não competir com os mecanismos já existentes. Estamos fazendo um mecanismo diferente que também contribui para a conservação de floresta, mas não faz parte da convenção de clima. Ela não mede carbono, não paga por carbono, não tem contrato de carbono. É inovador nesse sentido. Vale lembrar que se o país diminui o seu desmatamento abaixo da média mundial é porque ele tem um programa de médio e longo prazo. Isso interessa.
Qual será o critério para o país ser contemplado pelo fundo? Para o país receber dinheiro do fundo, não precisa apresentar um projeto com previsão da quantidade da venda de carbono em um período, digamos, de quatro anos, que já tem data de validade. A adesão é pelo programa de governo, que pode ser nacional. Detalhe: não precisa ser apenas floresta tropical. Outra coisa muito importante é que boa parte delas está na mão ou depende dos povos tradicionais. Eles não só dependem como interagem com essa floresta e acabam atuando como protetores da terra. O TFFF destina 20% do dinheiro que o país recebe para essa população. Trata-se de um instrumento de conservação com várias inovações.
De onde vem o dinheiro do fundo? Primeiro, quero deixar claro que não vem de doação. Não vamos depender de filantropia, porque não queremos concorrer com outras agendas importantes de fome, epidemia e reconstrução pós-guerra. O fundo começa com o dinheiro dos governos. O Brasil já colocou o primeiro bilhão de dólares. É aberto a investidores. Quem botar dinheiro no fundo é investidor. O objetivo é chegar aos primeiros 25 bilhões de dólares que servem para alavancar 100 bilhões no mercado. Os 125 bilhões serão investidos em variações de renda fixa, digamos assim. Recebemos X, prometemos Y para os investidores, e a diferença que será de 4 bilhões de dólares serão para financiar as florestas em pé.