Quando provou os queijos brasileiros pela primeira vez, em uma visita que fez ao país em 2022, o comerciante britânico Jason Hinds ficou surpreso com o que encontrou. Voltou várias vezes desde então, percebendo similaridades entre a evolução do mercado local e o movimento artesanal que aconteceu nos Estados Unidos há 30 anos.
Com a experiência que adquiriu ao longo de 30 anos trabalhando nessa indústria, primeiro com os queijos artesanais britânicos e, depois, com variedades internacionais e americanas, Hinds, um “cheesemonger“, como é conhecido, decidiu ajudar a levar a produção brasileira para mercados internacionais.
Assim, com a queijaria Pardinho Artesanal, que leva o nome da cidade no interior de São Paulo onde está localizada, levou uma remessa de 600 quilos do Mandala, seu premiado queijo produzido com leite cru de vacas Girsey. O produto coleciona medalhas em concursos internacionais.
Foi um processo longo. Vanessa Alcoléa, mestre queijeira da Pardinho Artesanal, lembra que a ideia da família Mineiro, responsável pela queijaria, sempre quis fazer um queijo artesanal nacional, sem referências europeias. Foram várias testes até chegar em receitas hoje consideradas clássicos da produção brasileira, como o Mandala e o Cuesta. Mais tarde, quando conheceram Jason Hinds, viram a oportunidade de exportar o produto. Mesmo assim, foram necessários três anos de trâmites para conseguir os selos e certificados de segurança alimentar para poder enviar o queijo para fora.
Em entrevista, Hinds fala sobre sua relação com o mercado internacional de queijos, o que considera os critérios fundamentais em um bom produto artesanal e o enorme potencial do Brasil. Confira:
Como você transformou o queijo em profissão?
Minha jornada com o queijo começou no início de 1992. Eu buscava uma carreira que estivesse alinhada com minhas paixões. Ser jogador de futebol profissional ou DJ não eram opções realistas, mas como fã de queijos, percebi que uma carreira ligada ao queijo e às viagens, minha outra paixão, seria um caminho. Como estudante, percebi que o queijo britânico era muito melhor do que eu imaginava. Pensava que os melhores vinham apenas da França ou Itália. Quando descobri que tínhamos grandes queijos aqui, pensei: “Se eu não sabia disso, o resto do mundo também não sabe”. E então decidi contar isso ao mundo.
Como essa paixão virou negócio?
Foi assim que comecei na Neal’s Yard Dairy, que na época era a única defensora dos queijos artesanais britânicos. Comecei no balcão, deixando claro meu desejo de exportar esses queijos. Aos poucos, construímos um negócio de exportação, primeiro para os Estados Unidos, depois França e, hoje, exportamos para cerca de 15 países. Me tornei sócio da empresa e continuo envolvido.
Você também se envolveu com a produção artesanal norte-americana.
Sim. percebi que os Estados Unidos estavam começando uma revolução em queijos artesanais, algo novo há 30 anos. Ajudamos a criar mercado, incluindo consumidores e varejistas, para esses produtos. E vejo uma grande semelhança entre o estágio atual dos queijos artesanais brasileiros e o que presenciei nos EUA nos anos 1990. Em 2019, fundei nos EUA a Essex Street Cheese Company, especializada em clássicos europeus de altíssima qualidade: Comté, Parmesão, Feta, Manchego e Gouda. Vendemos apenas esses cinco, mas buscamos os melhores do mundo. Observamos que lojas americanas vendiam versões comuns desses queijos e vimos nisso uma oportunidade.

E como começou sua relação com os queijos brasileiros?
Quando fui ao Brasil pela primeira vez, em setembro de 2022, fiquei impressionado com a qualidade dos queijos e vi similaridades com os EUA de 30 anos atrás. Foi empolgante perceber o potencial do mercado e a oportunidade de ajudar, inicialmente com trabalhando com a Pardinho, a levar esses queijos ao exterior.
Quais são os critérios para um queijo ser considerado o melhor da sua categoria?
Acima de tudo, o sabor. O queijo tem que ser delicioso a ponto de redefinir a expectativa do consumidor. Depois, observamos os métodos de criação dos animais e o manejo do pasto. Quanto mais biodiversidade, mais interessante o leite. Valorizamos queijos de leite cru, pois indicam altos padrões de produção e trazem mais diversidade de bactérias e sabores. Também é importante que os produtores entendam bem o estoque, pois o queijo de leite cru varia muito. Trabalhamos com produtores que sabem identificar os perfis que buscamos.
Você já disse que os queijos de leite cru têm mais personalidade. Mas há desafios, como as restrições à venda em diferentes regiões. Como vê essas dificuldades e qual é o diferencial desses queijos?
Grandes produtores veem o leite cru como ameaça e pressionam governos para dificultar sua produção. Mas, normalmente, os produtores artesanais de leite cru trabalham com muito mais cuidado, pois precisam manter padrões altíssimos de higiene, bem-estar animal e manejo do leite. O leite cru traz mais personalidade e mais complexidade de sabor. É como ouvir música em estéreo versus mono. O leite cru é estéreo. É o que eu quero experimentar.
O que você viu nos queijos do Pardinho para decidir exportá-los?
Quando visitei a Pardinho pela primeira vez, reconheci um modelo familiar em termos de escala, visão e inteligência. A qualidade dos queijos me surpreendeu. Eles estavam inovando desde o início, pensando grande, explorando novas raças de animais e novos métodos. Estavam prontos para fazer queijos de padrão internacional.
Você se refere aos queijos brasileiros como “tropicais”. O que isso significa?
Um ponto interessante é que queijos tropicais não existem no “velho mundo” (termo do vinho para os países europeus tradicionais). O Brasil tem isso de único. E quando degustamos queijos como o Mandala, sentimos notas que remetem ao terroir tropical — goiaba, pêssego, damasco. Não encontramos isso em queijos europeus. É uma identidade única.
Essa primeira remessa foi toda de queijo Mandala, com diferentes maturações. Por quê?
Porque é o queijo em que decidimos focar. Ele é envelhecido por 10, 11 meses, tem estilo familiar ao consumidor americano, mas o sabor é surpreendente. Trabalhamos juntos para selecionar lotes com o perfil tropical que queríamos mostrar. Isso exige muita degustação e avaliação, pois queijos de leite cru variam bastante.
Como apresentar o queijo brasileiro ao mercado americano?
O lançamento já começou. Tivemos eventos com varejistas, treinamentos com o Bento Mineiro, da família da Pardinho, em Nova York, além de uma feira importante do setor. Vamos continuar com a comunicação, treinamentos e apoio às lojas para apresentarem o produto ao consumidor. Os americanos adoram novidades. E um queijo de leite cru do Brasil é uma grande novidade. Além disso, é saboroso. A primeira remessa deve ser vendida em um mês. Já temos outra pronta para enviar no início do outono.
E onde esses queijos serão vendidos?
Em lojas especializadas, onde os queijos são vendidos sob encomenda, cortados na hora. Algumas delas vendem já fatiados, mas a maioria é cortada na hora, o que preserva melhor a qualidade. Temos parceiros de distribuição nas principais cidades americanas: Seattle, Portland, Califórnia, Boston, Nova York, Washington, Miami e Chicago. Todos especializados e, em sua maioria, empresas familiares.