A tentativa de transformar em ação concreta o compromisso firmado dois anos atrás em Dubai, abandonar gradualmente os combustíveis fósseis, virou um dos eixos centrais e mais contenciosos da COP30, em Belém.
Sob pressão climática e política, o Brasil tenta costurar uma “rota de saída” internacional que defina quando e como países devem deixar de depender de petróleo, gás e carvão.
A proposta, porém, enfrenta um contrafluxo poderoso: a retomada agressiva de produção por grandes exportadores, o recuo diplomático dos Estados Unidos sob Donald Trump e a presença ampliada de lobistas da indústria fóssil circulando nos corredores da Zona Azul.
A iniciativa ganhou força após o apelo público de Luiz Inácio Lula da Silva para que líderes deixem Dubai para trás e, desta vez, entreguem metas verificáveis.
Marina Silva assumiu a articulação e conseguiu reunir apoio de países como Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca, Colômbia e Quênia.
O grupo trabalha para inserir na decisão final da COP a determinação de produzir, ao longo de 2026, um roteiro global de redução de combustíveis fósseis, instrumento semelhante ao mecanismo criado em 2024 para financiamento climático.
Nos bastidores, porém, o clima é mais tenso do que sugerem os discursos públicos. Relatórios de observatórios climáticos mostram que a COP30 registra uma das maiores presenças de representantes da indústria fóssil em conferências da ONU.
Delegações corporativas ocupam reuniões técnicas sensíveis, como aquelas que discutem datas e mecanismos de declínio de produção.
A presença reforça temores de que países produtores tentem esvaziar o texto final ou substituir a noção de cortes obrigatórios por conceitos genéricos como “transição energética responsável”.
A resistência ganhou novo fôlego com a guinada dos Estados Unidos sob Trump, que retirou o país do Acordo de Paris e pressiona aliados a não assinarem mecanismos que limitem a produção de petróleo e gás.
No mês passado, a Casa Branca bloqueou nos bastidores o avanço de um imposto global de carbono sobre navegação marítima, movimento que, para negociadores, sinalizou que Washington buscará enfraquecer qualquer decisão que impacte o setor fóssil.
Para países em desenvolvimento, a equação é ainda mais delicada. Muitos dependem de receitas derivadas de petróleo e gás para financiar serviços públicos e não veem alternativas viáveis sem garantias de financiamento e transferência tecnológica.
Ainda assim, o grupo pró-roadmap trabalha com três cenários: um acordo político modesto que apenas crie o mandato; uma decisão intermediária que inclua prazos setoriais; ou um modelo mais ambicioso, que estabeleça metas de eliminação progressiva da produção, este último visto como improvável diante da correlação de forças.
A próxima semana será decisiva. A versão preliminar da declaração da Colômbia, que circula entre países insulares e latino-americanos, pode ampliar a pressão.
Mas o real termômetro será a redação da decisão final. Se Belém entregar apenas linguagem simbólica, a promessa de Dubai pode perder relevância.
Se estabelecer um mecanismo claro de implementação, a COP30 marcará o primeiro passo institucional para aposentar o petróleo, com data, etapas e responsabilidade distribuída.