O ponto mais importante da reunião de quinta-feira, dia 16, entre o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira foi que o encontro aconteceu. Exatos 71 dias depois de os EUA imporem sobre produtos brasileiros uma tarifa recorde de 50% por uma fantasiosa ‘caça às bruxas’ contra Jair Bolsonaro, Rubio e Vieira conversaram por uma hora e quinze minutos sobre negócios e não sobre Bolsonaro. O jogo mudou.
É preciso um tanto de má vontade com os fatos para reclamar que a nota conjunta divulgada depois da reunião foi genérica e que ainda não existe uma data formal para o encontro entre Donald Trump e Lula da Silva. É assim que funciona a diplomacia num encontro de quebra-gelo. Trump e Lula só vão se encontrar quando seus assessores chegarem a um acordo ou já existir um roteiro para alcançar pontos de consenso. Até lá, as divergências ficarão mais evidentes a cada reunião e os dois negociadores levarão para seus chefes o que é possível acordar e o que só eles podem decidir.
A diferença nos 71 dias é que agora os dois chefes querem um acordo. Donald Trump ouviu de mais de um interlocutor que ele foi enganado por Eduardo Bolsonaro, que as taxas sobre carne e café brasileiros estão afetando os preços para os consumidores americanos e que a melhor saída é achar um prêmio, declarar vitória e esquecer o Brasil até as eleições de 2026. Este é o roteiro de Rubio.
A diferença entre o humor do time de Trump nesse período está no tratamento a Eduardo Bolsonaro e seu sancho pança, Paulo Figueiredo. Em agosto, o secretário do tesouro dos EUA, Scott Bessent, cancelou uma videochamada com o ministro Fernando Haddad para receber Eduardo, Paulo e posar com a dupla para uma foto. Na quarta-feira, a dupla foi ao Departamento de Estado, não tiraram foto com ninguém e não conseguiram influenciar o tom da conversa no dia seguinte. Eduardo e Figueiredo seguem tendo mais acesso que quaisquer outros brasileiros no MAGA, mas influenciam cada dia menos.
Dois temas concretos estão na pauta de negociações, o fim da sobretaxa de 18% sobre o etanol americano e a participação de companhias americanas na exploração de terras raras e minerais críticos _ ponto que se tornou emergência no governo Trump depois da decisão chinesa de travar exportações. O Brasil tem a segunda maior reserva desses minerais, atrás apenas da China, e não tem dinheiro, nem tecnologia para fazer a exploração. Os americanos têm.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que foi convidado pelo seu colega dos EUA, Chris Wright, para discutir a entrada dos EUA no setor no encontro de cúpula G7 Energia, no final do mês, no Canadá. Na quinta-feira, quando apresentou a Lula dados sobre o potencial brasileira na reativação do Conselho Nacional de Política Mineral, Silveira disse que estava “estudando o assunto para não ser enganado”.
Como mostrou a repórter Andrea Jubé, do Valor, é bom Silveira se esforçar. No principal acordo já assinado entre os dois países, em 1952, o Brasil de Getúlio Vargas concedeu aos EUA de Dwight Eisenhower o acesso exclusivo a minerais estratégicos, como urânio, areias monazíticas e manganês, por um preço abaixo do valor de mercado.
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A foto do encontro de Marco Rubio e Mauro Vieira tem um simbolismo: na parede está o quadro do escritor e diplomata John Milton Hay (1838-1905).
O personagem é o melhor alerta que o Brasil pode ter sobre com quem ele está negociando.
Secretário particular de Abraham Lincoln (sobre quem foi coautor de uma biografia de 10 volumes), Hay é um dos ícones do intervencionismo americano.
Secretário de Estado por sete anos, entre 1898-1905, durante as presidências de William McKinley e Theodore Roosevelt, Hay assumiu ao final da guerra hispano-americano para tomar Porto Rico e a ilha de Guam da Espanha e, depois, transformar as Filipinas em uma colônia dos EUA.
Com as potências europeias tramando dividir a China, Hay atuou para manter o território do império em troca de uma política de portos abertos que privilegiaria a marinha americana. Quando houve o levante dos Boxes, Hay autorizou o envio de tropas americanas para sufocar a rebelião e garantir o acesso ao mercado chinês.
Hay foi fundamental em fomentar a independência do Panamá, forçar o governo da Colômbia a aceitar a perda do território e, depois, assinar os contratos para a construção pelos americanos do canal ligando os oceanos Atlântico e Pacífico.