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Reis da sucata: sucessão de gigante do setor gera disputa em família herdeira

Não há empresa que passe ilesa por uma briga societária. Ao menos essa é uma concepção comum no setor privado. No caso de negócios familiares, como é a situação da maioria das firmas brasileiras, talvez os momentos de troca de bastão sejam os de maior vulnerabilidade — independente do tamanho da operação. No caso da sucateira Trufer, uma gigante do setor, praticamente um bilhão de reais está em jogo. Esse é o valor em que pessoas do mercado de sucata estimam o faturamento anual da companhia, que atravessa uma briga judicial entre herdeiros. Márcio Trujillo, atual presidente da Trufer, é acusado por suas irmãs, Ivy e Andreza Trujillo, de tomar a empresa para si após o falecimento de seu pai, em 2021. Desde então, a briga judicial se estende e gera incerteza sobre o futuro da companhia.

Fundada há mais de 70 anos, a Trufer começou como um projeto de um imigrante espanhol, Manoel Trujillo, cuja família se estabeleceu no bairro do Ipiranga, na cidade de São Paulo, para fugir da ditadura de Francisco Franco. Após chegar no Brasil, Manoel foi contratado como motorista de um sucateiro local, que o inspirou a explorar o ramo. A primeira coisa que fez depois de juntar algum dinheiro foi comprar um caminhão para catar metais. O negócio cresceu e se fixou em Diadema, no histórico polo industrial paulista, de onde opera até hoje. A Trufer já nasceu com um herdeiro, José Trujillo, filho de Manoel que veio com ele da Espanha. Quando o pai quis pendurar o uniforme e se aposentar, José foi convocado para assumir a sucateira — função que ocupou por décadas.

A transição da primeira para a segunda geração de empresários ocorreu tranquilamente, com o fundador do negócio ainda vivo. Já a troca da segunda para a terceira geração se deu de maneira brusca, com o falecimento de José, em 2021, deflagrando a briga entre seus sucessores. “Antes dele (José) falecer nós já fazíamos uma gestão em conjunto”, disse Márcio Trujillo, em um vídeo publicado no perfil da Trufer no Instagram. “Mas, ao mesmo tempo, ele (José) era centralizador”, relatou o empresário. Márcio foi entrevistado por um influencer da rede social neste ano, mas o vídeo da entrevista — no qual informações sobre a empresa foram detalhadas — foi deletado se seu perfil durante a produção da reportagem. A Trufer movimenta cerca de 30 mil toneladas de ferro por mês. A empresa conta com cerca de 240 funcionários diretos e mais de 120 veículos, como caminhões para transportes de cargas, em seu inventário, segundo o CEO.

José Trujillo detinha quase todo o capital social da Trufer à época de seu falecimento. O filho Márcio contava com 2,5% de participação, enquanto as duas irmãs estavam fora da sociedade. Em uma Ação Declaratória de Nulidade de Alteração Contratual apresentada a uma Vara Empresarial da Comarca de São Paulo, em 2023, as irmãs Ivy e Andreza acusam Márcio de, na condição de único sócio vivo da Trufer, ter liquidado todas as cotas de seu pai — detendo a integridade do capital social. A manobra aconteceu a despeito da pendência do inventário de José Trujillo e da partilha dos bens da herança. “Frente a tamanho descalabro, os autores objetivam a imediata restauração do status quo ante da sociedade Trufer, cabendo ao espólio de José — detentor de 97,5% das quotas — a incumbência de nomear o administrador da Trufer”, diz o documento. Procurados pela reportagem, nenhum dos irmãos quis comentar a disputa judicial, que segue em curso. A empresa também preferiu não se manifestar.

A Alteração do Contrato Social (ACS) da Trufer que colocou a totalidade dos negócios nas mãos de Márcio já serviu de base para que a 8ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo destruísse o empresário da condição de inventariante do espólio de José. A primogênita, Ivy, foi nomeada inventariante no lugar do irmão. Ela nunca se envolveu com o negócio de sucata. Já Andreza trabalhou na área financeira da Trufer por um breve período, antes do falecimento do pai. Quando CEO da empresa, José sempre deixou claro que não queria uma das filhas no comando da Trufer. “Sucata não é coisa de mulher”, ele teria dito, segundo fontes próximas à família ouvidas pela reportagem. Nesse sentido, a predileção sempre foi por Márcio, que atua na sucateira há cerca de 30 anos, desde a adolescência. As irmãs, contudo, não têm qualquer interesse em participar do dia a dia da empresa, tendo acionado a Justiça apenas para que a herança do pai possa ser partilhada. “Para uma sucessão familiar dar certo, o ideal é acontecer enquanto o dono está vivo”, diz Ivone Zeger, especialista em Direito Sucessório. “Algo que poderia demorar um mês acaba sendo judicializado e pode demorar um ano só para começar”.

O fato da Trufer seguir como referência no setor de sucata 70 anos após a sua fundação é motivo de louvor. “A maioria das empresas familiares não sobrevivem ao ponto de serem passadas para a próxima geração”, diz Wagner Teixeira, presidente da consultoria Hoft, que atua há 50 anos com sucessão familiar. A empresa atravessou sua primeira sucessão com êxito, mas a passagem da segunda para a terceira geração, envolta na briga judicial, levanta dúvidas sobre o futuro do negócio. “Já vi inúmeras empresas sucumbirem por conta de desavenças familiares”, diz Zeger. Para que a Trufer siga prosperando pelos próximos 70 anos, o melhor é uma solução ágil e definitiva para o impasse familiar, que já consumiu mais tempo do que deveria.

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