Tem coisas que a gente já sabe, só de observar, mas que é ótimo quando alguém comprova cientificamente. Essa aqui é uma delas: um estudo realizado pela Universidade da California em São Francisco (UCSF) concluiu que o uso de redes sociais na infância tem relação com prejuízos na cognição, leitura e memória das crianças.
E não foi uma pesquisa qualquer. Durante dois anos, uma equipe monitorou o desenvolvimento cognitivo de 6087 crianças nos Estados Unidos, a partir dos 9 anos de idade. Esses meninos e meninas foram recrutados de modo a representar diferentes etnias, contextos socioeconômicos e regiões do país.
A pesquisa foi publicada no JAMA, Journal of the American Medical Association, uma das revistas científicas médicas de mais prestígio e credibilidade. Os cientistas queriam investigar o impacto do uso de redes sociais sobre habilidades essenciais para o aprendizado escolar e o desenvolvimento intelectual.
No momento inicial do estudo, nenhum participante utilizava redes sociais; ao longo do período analisado, os participantes foram agrupados conforme passaram a adotar essas plataformas. Nessa etapa, os pesquisadores categorizaram as crianças em três perfis:
- Usuários mínimos: pouco ou nenhum contato com redes sociais.
- Usuários moderados: aumentaram gradualmente o uso até cerca de uma hora por dia.
- Usuários intensivos: passaram a utilizar redes sociais por até três horas diárias.
E como a equipe liderada pelo especialista em pediatria e saúde pública Jason M. Nagata testava as crianças? A avaliação contou com testes padronizados de leitura, compreensão auditiva e memória, aplicados antes e depois do período de exposição crescente às plataformas digitais.
Qual o efeito das redes sociais nas crianças?
A partir das análises, os cientistas constataram: as crianças que usaram redes sociais mais de três horas por dia apresentaram piora significativa no desempenho em testes de leitura, memória e compreensão auditiva. E, embora esse declínio tenha sido mais acentuado no grupo que passou mais tempo nas redes, houve queda nas notas de avaliação também entre a meninada que usou de maneira moderada.
E por que isso acontece?
O cérebro das crianças ainda está se desenvolvendo e é muito “maleável” nessa fase, ou seja, muda e aprende depressa com o que acontece ao redor. As redes sociais são feitas para dar recompensas rápidas, como curtidas e notificações que aparecem a todo momento. Se nos adultos, esse mecanismo já fisga, pode ser ainda mais intenso no caso dos pequenos.
Resultado: as crianças podem começar a ter dificuldade para se concentrar por muito tempo, entender textos com profundidade e lembrar das coisas com clareza. Tudo passa a ser atrelado a retorno imediato, e a vida é muito mais complexa que isso, a gente sabe.
Mas são só as redes sociais que causam esse dano?
Olha, inocentes elas não são. Mas é bom apontar que a pesquisa fala em correlação, em vez de causalidade. Estudos sérios são bem rigorosos do ponto de vista metodológico, então a escolha de palavras aqui é mais do que preciosismo.
Por quê? É que a relação pode ser influenciada por outras variáveis que não foram diretamente medidas ou controladas. Entre esses exemplos dá para citar o contexto, fatores familiares, saúde mental prévia e até a qualidade do tempo de tela (ver vídeos educativos é uma coisa, scrollar de forma passiva é outra).
De qualquer maneira, os dados apresentados mostram que trazer as crianças para a vida off-line parece ser uma ideia saudável. Vale lembrar que mesmo entre executivos do Vale do Silício há pais que não deixam os filhos usarem redes sociais. Se eles, que conhecem os meandros da indústria, acham isso prudente, melhor ficarmos atentos também.