A inovação avança rápido. Mais rápido do que a nossa capacidade emocional de usá-la bem.
Recentemente, dois pacientes, em momentos diferentes, me mostraram algo que me chamou a atenção. Ambos estavam em conflito com alguém importante.
Um, com o parceiro. Outro, com uma amiga muito próxima.
E, em vez de conversar com a pessoa, fizeram outra coisa: levaram o conflito para o ChatGPT.
No primeiro caso, o casal usou a nova função da ferramenta que permite uma conversa mediada entre duas pessoas. A intenção parecia boa: evitar brigas, organizar a discussão, tornar tudo mais racional.
Mas o que apareceu ali não foi mediação. Foi alívio rápido, e mais distância.
O ChatGPT validou pensamentos distorcidos, reforçou certezas e ajudou cada um a se sentir mais certo do seu ponto de vista. A conversa terminou com menos ansiedade, mas com mais rigidez. O conflito não se resolveu. Apenas foi contornado.
No segundo caso, a conversa nunca aconteceu. A pessoa brigou com a amiga e “processou” tudo com o ChatGPT.
Sentiu alívio. Sentiu clareza. Mas evitou o encontro.
E a relação começou a se enfraquecer no silêncio. Isso não é um problema de tecnologia.
É um problema psicológico conhecido, mas com uma forma nova.
Quando aliviar não é resolver
Quando estamos em conflito, o cérebro percebe ameaça. Ameaça de rejeição, de perda, de estar errado, de não ser compreendido.
Diante da ameaça, o cérebro tenta fazer o que sempre fez: evitar o desconforto.
É isso que chamo de evitação psicológica.
Uma estratégia rápida para se acalmar agora, mas que mantém o problema vivo depois.
Antes, a evitação aparecia como gritar, se calar ou ir embora. Hoje, pode aparecer de forma mais sofisticada: terceirizar o desconforto para uma ferramenta.
Usar o ChatGPT para regular emoções em um conflito não é regulação saudável. É evitação.
A pessoa não se aproxima da conversa difícil. Ela desvia.
Por que isso tende a piorar os conflitos
Evitação funciona no curto prazo. Ela reduz a ansiedade, traz alívio e cria a sensação de controle.
Mas conflitos não se resolvem porque alguém se acalmou sozinho. Eles se resolvem quando alguém tolera o desconforto de ouvir, de discordar, de não convencer, de não provar seu ponto imediatamente.
Quando usamos qualquer recurso, seja o ChatGPT ou outro, para nos acalmar sem nos aproximar, ensinamos ao cérebro uma lição perigosa:evitar é mais seguro do que enfrentar.
Isso vale para casais. Vale para amizades.Vale para conflitos no trabalho.
Quanto mais evitamos, menos treinamos a capacidade de permanecer. E, quanto menos permanecemos, mais frágeis ficam as relações.
O ponto central não é o relacionamento. É o desconforto
Este texto não é sobre salvar casamentos ou consertar amizades. É sobre algo mais fundamental.
A vida adulta exige a capacidade de tolerar desconforto emocional. Exige escutar o outro sem se defender o tempo todo.
Exige pausar e voltar para a conversa. Exige ficar presente quando o corpo quer fugir.
Nenhuma inteligência artificial pode fazer isso por você.
A escolha é clara: aproximar ou evitar
Usar o ChatGPT como regulador emocional em conflitos pode parecer moderno e racional.
Mas, psicologicamente, é uma escolha clara: evitar em vez de se aproximar.
Evitação sempre promete alívio. Mas entrega estagnação.
A pergunta importante não é o que a ferramenta diz. É outra: eu consigo ficar com esse desconforto sem fugir?
Porque crescimento — pessoal, profissional ou relacional — nunca veio do caminho mais confortável. Veio da capacidade de aproximar, mesmo quando é difícil.E nenhuma inovação substitui isso.
Se este texto te incomodou um pouco, talvez ele tenha tocado em algo importante.
Evitar costuma parecer mais fácil. Aproximar exige mais de nós.
Se você está vivendo um conflito, em um relacionamento, no trabalho ou consigo mesmo, e percebe que tem usado atalhos para não sentir o desconforto, quero ouvir você.
A conversa continua fora daqui. Me conta: em que momento você percebe que começa a evitar em vez de se aproximar?
Às vezes, nomear já é o primeiro passo para mudar.