Antes de começar a produzir conteúdo para redes sociais, Fábio Cruz, o Fabão, se dedicava a cuidar da mãe no Complexo do Alemão, onde nasceu e foi criado no Rio de Janeiro, após ela sofrer um AVC e ficar acamada por nove meses. O período serviu para mostrar ao carioca sua resiliência. Hoje, aos 33 anos, o comediante, que já passou por alguns programas da Globo no YouTube, faz sua estreia como jurado fixo de Infiltrado na Cozinha, novo programa apresentado por Paola Carosella no canal GNT, e se orgulha de ocupar espaços onde antes não se imaginava, se tornou referência para quem cresceu acreditando que não havia lugar para pessoas como ele diante das câmeras. Aos poucos, Cruz vem conquistando espaço com seu humor, autenticidade e coragem.
A trajetória de Fábio é marcada pela superação e pela autenticidade. Filho de uma auxiliar de serviços gerais que saía cedo para trabalhar e de um pai ausente, ele cresceu em um ambiente de forte cobrança de masculinidade, no qual não se via representado por ser gay e afeminado. Por causa disso, aprendeu desde cedo a usar o humor como escudo contra o bullying, a homofobia e o racismo. Após a morte da mãe, passou a gravar vídeos de humor para a internet e viralizou. Hoje, ele ostenta quase 400 000 seguidores no Instagram e mais 146 000 no TikTok, onde possui mais de 6 milhões de curtidas.
A televisão sempre foi presença em sua vida, mas parecia inalcançável. “Eu me via diante da TV, nunca dentro dela”, revelou ele em entrevista a VEJA. A reviravolta veio quando recebeu o convite para apresentar o Papo de Reality, no YouTube da Globo. O projeto abriu portas para outras oportunidades, como o Papo de Segunda Digital, uma ponta no remake de Vale Tudo e, mais recentemente, o programa Infiltrado na Cozinha. Fábio carrega a missão de ser o que não teve em sua infância: uma referência positiva para jovens que não se enxergam nos arquétipos tradicionais de masculinidade: “Não digo ‘consegui’, digo ‘estou conseguindo’.”

Hoje, casado, ele sonha em adotar e dar a seus filhos a liberdade que não teve: “Quero ser o pai que estraga, que compra a bateria se a criança quiser, mas que também dá independência”.
Confira a entrevista na íntegra com Fabão:
Você nasceu no Rio de Janeiro e foi criado no Complexo do Alemão, certo? Sim, eu nasci no Complexo, inclusive numa maternidade muito próxima dali. Morei lá até os 29 anos, junto com a minha família. Era aquele quintalzão com todo mundo reunido, todo domingo tinha churrasco, alguma brincadeira. Depois fui para Niterói, fiquei dois anos, mas não aguentei o ritmo e vim para Laranjeiras, onde estou há 1 ano e 8 meses.
Por que a mudança para Niterói? Eu morava com minha mãe e minha irmã. Minha irmã casou, fez a vida dela, e eu continuei com minha mãe até ela ter um AVC. Ela ficou nove meses sem lembrar de quem eu era. Foi duro, mas um aprendizado. Depois, ela faleceu em outubro de 2019. Poucos meses depois, veio a pandemia. Me senti preso, como se fosse a Alice do País das Maravilhas crescendo dentro da casa. Meu namorado, com quem estou há 12 anos, sugeriu que morássemos juntos. Ele já estava em São Gonçalo, então fomos para Niterói, um meio-termo.
O que sua mãe fazia antes do AVC? Ela era auxiliar de serviços gerais, trabalhava na faculdade EST de desenho industrial. Saía de casa 5h30 e voltava às 18h. Muito ativa. Um dia, foi ao médico com sintomas de AVC, mas ele disse que ela estava cansada, deu um remédio para dormir. No dia seguinte, ela já não falava nem se movia. Foi negligência médica.
E seu pai, ele esteve presente na sua vida? Meus pais se separaram quando eu tinha uns quatro anos. Ele nunca foi muito presente, mas a gente sabia onde o outro estava. Descobriu um câncer de próstata, não quis se cuidar e faleceu em 2018. Um ano depois, minha mãe partiu. Foi difícil, um tempo curto para absorver tudo.
Onde estudou quando criança? Na Escola Municipal Conde de Agrolongo. Minha mãe, meu pai e minha irmã também estudaram lá. Depois fui para o colégio Gomes Freire, e no fim precisei fazer supletivo, porque precisava trabalhar para ajudar em casa. De dia, era operador de telemarketing; à noite, estudava.
E a faculdade, veio quando? Entrei com 24, 25 anos. Estudei Comunicação Social, Publicidade e Propaganda no Instituto Infinite, com FIES. Fui o primeiro da família a concluir uma faculdade. No começo, nem acreditava. Achava que aquilo não era para mim, porque cresci ouvindo que o importante era ter um trabalho para pagar as contas.
Como conheceu o Júlio César, seu marido? Pela internet. Ele fazia faculdade de farmácia no Canadá, morava em Quebec. A princípio, achei que não fosse dar em nada. Mas ele disse que voltaria em três meses. Quando voltou, a gente começou a namorar. Já se vão 12 anos. Hoje ele é professor universitário de química, doutorado e tudo. Um crânio!
Depois da perda da sua mãe que você começou a gravar vídeos? Sim. Primeiro criei um podcast, porque precisava falar. Eu conversava com minha mãe, mesmo quando ela já não respondia. Depois passei a escrever roteiros para influenciadores e atores, mas não para mim. Achava minha voz estranha, minha imagem não combinava. Até que um dia perdi a vergonha e fiz meu primeiro vídeo: a reação do Abaporu, da Tarsila do Amaral.
E foi aí que as coisas começaram a mudar? Sim. O vídeo engajou, as pessoas riram e procuraram sobre a obra. Percebi que podia ir além do humor: podia fomentar interesse. A partir daí, comecei a explorar brasilidades e comportamentos comuns. Mais tarde veio o vídeo Ervas Finas, que viralizou mesmo. Eu trabalhava como roteirista da Play9, mas, depois de viralizar, passei a integrar o casting da agência. E tudo começou a fluir.
Como a Globo surge nesse quadro todo, a ponto de você virar apresentador de um programa da Globo no YouTube? Sim. Isso começou no ano passado. Primeiro, fui conhecer eventos e instalações da Globo. Sempre gostei muito, mas, para ser sincero, nunca me imaginei dentro da TV, só diante dela. Achei que o máximo seria visitar os estúdios. Mas logo veio o convite para apresentar o Papo de Reality, sobre o Estrela da Casa. Foi uma experiência curiosa. Eu estava em Paris, e meu colega Caio, que apresentava comigo, estava doente em casa. Fizemos o primeiro episódio remotamente. Depois, veio o convite para o Papo de Segunda Digital, junto com Gil do Vigor e outros influenciadores. Era um braço online, acompanhando a repercussão da internet.
E teve até participação em novela e agora o Infiltrado na Cozinha, certo? Sim, em Vale Tudo! Só minha silhueta, mas vale para o currículo. Depois, veio a segunda temporada do Papo de Reality, quando conseguimos entrevistar eliminados do Big Brother. Chamou atenção até dentro da Globo. O Infiltrado foi a cereja do bolo. Faço com a Paola, que admiro muito. Quando recebi o e-mail sigiloso com a proposta do programa, pedi a uma amiga da Play9: “Por favor, faça dar certo”. Não sabia que seria com ela, nem que seria um programa tão bonito. É um formato original, muito bem-feito. Entrei no estúdio e fiquei impressionado: tinha até uma esfinge cenográfica!
E quando você estreou na frente das câmeras de TV, o que pensou? Foram duas coisas. A primeira, pessoal: “Queria muito que minha mãe estivesse aqui para ver. Mãe, tô na Globo!”. A segunda foi gratidão, porque percebi que estava ali pelo meu trabalho, não por ser “engraçadinho”. Foi um sentimento de profissionalismo.
A Paola tem o ajudado nos bastidores de Infiltrado na Cozinha? Muito. Num dia em que eu estava sério demais, ela disse: “Coração, seja você”. Foi libertador. Percebi que não precisava fingir ser jurado técnico. Eu estava ali para ser eu mesmo — e ser respeitado por isso.
Você e seu marido pensam em ter filhos? Sim, queremos adotar. Me planejo financeiramente para isso. Brinco que quero ser o pai que “estraga”: dar bateria se a criança quiser, deixar brincar. Mas também quero responsabilidade, talvez até uma escola montessoriana, para garantir independência desde cedo.
Olhando sua trajetória, do Complexo do Alemão até hoje, como você enxerga? Eu digo que quero ser a figura que não tive na infância. Cresci cercado de virilidade e brutalidade, sem me ver nesse padrão. Achava que não havia espaço para mim. Hoje, digo: “Estou conseguindo”. Ainda há muito que quero conquistar, mas sei que represento também quem cresceu comigo. Sempre usei o humor entrou como proteção. Antes que me zoassem, eu fazia piada comigo mesmo. Doía, chorava em casa, mas criava a ilusão de que riam comigo, não de mim. Era um ambiente indireta e constantemente homofóbico. Até meu avô reforçava: “Anda direito, fala direito”. Ele achava que ajudava, mas era homofobia. O humor virou meu refúgio.
Olhando para frente, quais seus maiores objetivos? Sempre usei a visibilidade da internet como oportunidade. Agora posso estudar teatro na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), pagar uma autoescola, aprender mais. Vejo o estudo como moeda universal. Quero usá-lo para conquistar novos espaços, diante e atrás das câmeras.
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