Apesar dos esforços para se alcançar a desejável igualdade de gênero no mercado de trabalho, a participação das mulheres ainda é menor que a dos homens — e essa distorção é ainda maior nos cargos de alto escalão. O setor de bebidas representa hoje uma exceção, e a indústria do champanhe está à frente de uma muitíssimo bem-vinda revolução.
Mulheres estão assumindo postos de liderança em algumas das maiores empresas do setor. O cargo de chef de cave — enólogo responsável pelas casas de champanhe — antes restrito aos homens, agora é ocupado por mulheres à frente de marcas emblemáticas, como Julie Cavil, na mítica Krug. Na Maison Perrier-Jouët, Séverine Frerson tornou-se a primeira mulher em duzentos anos a ocupar a função. No comando dos negócios, a mudança também é visível: atualmente, quatro dos cinco maiores players do setor têm mulheres na liderança.
A francesa Catherine Petit, diretora-geral da Moët Hennessy no Brasil, é um exemplo dessa transformação. Ela representa o grupo de luxo que detém marcas como Dom Pérignon, Krug, Ruinart, Veuve Clicquot e Moët & Chandon. Antes de chegar ao Brasil, comandou os negócios da empresa na África e na Argentina. Sua trajetória também evidencia os obstáculos ainda presentes e os comportamentos típicos do século passado.
Catherine relata que, na Argentina, enfrentou resistência de consultores homens que se recusaram a ser chefiados por ela. O absurdo foi explicitado por sua equipe logo em sua chegada naquele país. Em outra ocasião, no Oriente Médio, os homens à mesa disseram que não aceitariam que ela pagasse a conta — mesmo sendo uma regra, no meio corporativo, que quem convida o cliente assume a despesa. Cansada de justificar o óbvio, a executiva francesa resolveu atingir o ponto mais sensível desses machistas: o bolso.
Já que a conta ficaria por conta deles, Catherine pediu logo três garrafas de champanhe Krug (que custam cerca de R$ 2.500 cada). Os “gentis cavalheiros” mudaram de cor, de tom de voz e, finalmente, aceitaram que ela pagasse. Situações extremas como essa tornaram-se mais raras, mas, vez ou outra, ainda surgem novos incômodos. “Os homens de países muçulmanos têm dificuldade para negociar com mulheres. Meu maior desafio tem sido com os libaneses”, contou Catherine à coluna, durante a inauguração do Terraço Veuve Clicquot, no Hotel Quebra-Noz, em Campos do Jordão, no mês passado.
Apesar dos desafios impostos por essa cultura patriarcal — especialmente em um mercado ainda muito masculino como o de bebidas —, Catherine se diz otimista. Destaca como um dos pontos altos de fazer negócios no Brasil a atitude acolhedora e carinhosa, que favorece um bom ambiente de trabalho. “A parte mais difícil de lidar é a falta de planejamento. A cultura latina é de curto prazo, e, para um europeu, pode ser um pouco estressante essa coisa de deixar tudo para a última hora. Mas confesso que me acostumei e fico sempre impressionada com o fato de que, no final, tudo dá certo”, disse.
Garrafa na mala
No Brasil, as falsificações não representam um problema tão sério quanto na África, onde há uma cidade chamada Onitsha, na Nigéria. Ali, existe uma grande feira ao ar livre em que se vendem rótulos das principais casas de champanhe aplicados em garrafas de espumantes baratos. “Aqui, o contrabando é o maior desafio para as grandes marcas”, contou.
Aos poucos, pelo menos no mercado de consumo direto, o problema tem diminuído. Segundo Catherine, cada vez menos consumidores das grandes marcas representadas por ela trazem garrafas nas malas em viagens ao exterior — hábito comum até poucos anos atrás. “A alfândega brasileira está bem mais atenta, e nós desenvolvemos um atendimento de alto padrão para oferecer aos consumidores experiências exclusivas, como aberturas de exposições e jantares especiais, o que tem sido um grande sucesso”, explicou.
Em uma ação recente, a empresa promoveu um brunch regado a Moët para clientes assistirem à prova de Fórmula 1 em um hotel de São Paulo. “O Brasil já esteve entre os 10 maiores mercados consumidores da Champagne Veuve Clicquot no mundo. Hoje estamos de volta ao Top 20, e ambicionamos continuar subindo no ranking!”, projeta Catherine. Outro mercado que ela acompanhou de perto é a África, especialmente a Nigéria, onde o espumante é servido tanto em nascimentos quanto em funerais. Como sempre há gente nascendo e morrendo, o mercado nunca esfria.
Catherine é natural de Toulouse, no sudoeste da França. Seu pai era apaixonado por Bordeaux, destino anual da família para comprar os vinhos recém-produzidos (primeurs), ainda nas barricas. Quando foi estudar administração em Paris, seu tio a apresentou aos vinhos da Borgonha, e hoje ela ostenta o título de Chevalier de Tastevin — uma confraria criada em 1934 para perpetuar a cultura vinícola da Borgonha. “Foi só quando entrei na Moët Hennessy, em 2007, que descobri o mundo do champanhe”, contou.
Os espumantes nacionais — as estrelas da nossa viticultura — também são objeto de estudo e atenção de Catherine: “Sou suspeita para falar, mas, a meu ver, a própria Chandon do Brasil é muito melhor que vários espumantes internacionais ou champanhes de entrada”. Como Estate Director da Chandon do Brasil, em Garibaldi, ela acompanha de perto o trabalho das equipes de viticultura. “Zelamos pela qualidade do cultivo das uvas em todas as etapas — da poda à colheita —, tanto nos vinhedos próprios quanto nos de nossos parceiros. A colheita é manual, não usamos herbicidas e adotamos práticas como cobertura de solo. Boa parte dos produtores nacionais de espumante segue essas práticas. Não é à toa que a categoria esteja ganhando tanto reconhecimento”, explicou. E concluiu: “Acredito que o espumante brasileiro tem um belo futuro pela frente”. De olho nesse futuro, a Chandon vem apostando em novos públicos, atentos a bebidas menos alcoólicas e mais saudáveis. Criado sob medida para esse perfil, o Chandon Garden Spritz é um exemplo de produto de alta qualidade, elaborado com laranjas orgânicas e 100% natural.
Catherine foi mãe solo. Criou sozinha o filho brasileiro, que hoje estuda fora do país, e tem muito orgulho de sua jornada. É também entusiasta do projeto Bold Woman Award, criado pela Veuve Clicquot em 1972 para homenagear empreendedoras e líderes empresariais. “Não sou um bom exemplo de equilíbrio entre vida profissional e pessoal, porque sou muito apaixonada pelo meu trabalho. Mas acho que fui uma boa mãe: tive que viajar muito e me ausentar com frequência, mas, toda vez que estava em casa, estava 100% focada no meu filho. Acredito que é a qualidade da relação que importa”, disse.
É o tipo de força e determinação que remete à história de Barbe-Nicole Ponsardin (1777–1866), que transformou a faixa laranja da casa de champanhe em um império. Mulheres como Catherine, que romperam a bolha masculina no comando das grandes empresas de bebidas, são legítimas herdeiras de Madame Clicquot.