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‘Quase morri no Everest’: empresário relata as lições que tirou da escalada

Quando minha mulher ficou grávida, em 2014, eu estava mais ou menos 25 quilos acima do meu peso normal. Preocupado, porque queria ver minha filha menor crescer, liguei uma chave na minha cabeça: era preciso mudar o estilo de vida. Precisava praticar algum esporte, e escolhi o montanhismo. Hoje, a montanha é o meu segundo lar, é onde eu me reencontro, dou valor para uma série de detalhes que no cotidiano passam despercebidos. Movido a sonhos grandes, porque assim é que é bom viver, decidi escalar o Everest.

Foram dez anos de preparo, outras subidas menos radicais, e uma coleção de intempéries: operei o joelho, o pé direito, depois veio a pandemia, não podia viajar, e meu projeto teve de ser adiado. Mas agora em 2025 apostei tudo. Fui o primeiro brasileiro a fazer uma preparação hipóxica em casa, um modo de me aclimatar com a menor concentração de oxigênio na altitude. Cheguei a dormir, dentro da barraca, em condições similares a 6 000 metros de altitude, e isso encurtou o tempo que eu precisava ficar na montanha.

Saí de São Paulo no dia 26 de abril e cheguei ao Nepal no dia seguinte. Quarenta e oito horas depois eu já estava no campo base, a 5 500 metros de altitude. Na outra manhã fiz o trajeto para o campo 1, a 6 100 metros . Mas, para chegar lá, é preciso atravessar a cascata de gelo, o trecho mais perigoso. Foi muito intenso. Não conhecia ainda aquele trajeto, tinha visto só em vídeos. A dificuldade de alguma forma mexeu comigo, tanto no aspecto psicológico quanto no físico. Normalmente se leva oito, nove horas de travessia, mas eu levei doze horas para fazê-la e cheguei muito cansado ao primeiro destino.

Quando fui descansar, pus a minha cabeça no travesseiro e comecei a respirar. Enchia o pulmão, mas era como se estivesse borbulhando, cheio de água. Percebi que estava começando a ter um edema pulmonar. Se eu tivesse passado mais uma noite ali, mais algumas horas apenas, muito provavelmente teria chegado a um estado irreversível. Poderia até morrer. Pedi socorro, fui resgatado de helicóptero. Desci até Lukla, a 3 000 metros, e fui transferido para o hospital. O edema tinha desaparecido, em decorrência da velocidade com que baixei de altitude. A equipe médica garantiu: se eu me recuperasse por mais dois dias, poderia voltar e tentar o cume. Foi um momento que considero ter sido um divisor de águas: estava abalado mentalmente, e não tinha plena confiança em voltar para a montanha, apesar da certeza dos especialistas. Porém, familiares e amigos não pararam de enviar mensagens de incentivo, lembrando o quanto eu esperava aquele momento — e que deveria insistir.

Voltei gradualmente, testando meu corpo, e consegui chegar a 7 000 metros de altitude sem nenhum cilindro de oxigênio. Daí pensei: estou bem, vou subir a zona da morte e tentar o pico. Ao chegar ao campo 4, acima dos 8 000 metros, ponto a partir do qual se deve tentar o derradeiro ataque no mesmo dia, o tempo mudou completamente. Meu grupo e eu passamos quase trinta horas a mais do que o previsto naquele ponto, racionando oxigênio e recursos. A um certo momento, o sherpa (guia) que nos acompanhava foi incisivo: “Se você quiser preservar sua vida, você tem que descer comigo”. Eu não tinha outra opção a não ser descer.

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Foi frustrante. Mas logo intuí, porque assim funciona em desafios como o do Everest, que o fundamental é a jornada, não necessariamente o destino. Cheguei muito próximo do objetivo, fiquei um mês no alto, alcancei a zona da morte, algo que muito pouca gente fez. Quando você chega à base da montanha e olha o tamanho, logo pensa: “Eu vou morrer aqui”. Não morri, e tenho um sonho vivíssimo. A lição de resiliência é a que vale — e fico feliz, agora, e muito provavelmente no futuro eu voltarei ao Nepal, porque meu filho, que também gosta de escalada, já disse querer ir. Isso é bonito, um aprendizado indizível, uma lição de vida.

Rodrigo Xavier em depoimento a Natalia Tiemi Hanada

Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964

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