Após seis semanas de paralisação, a Câmara dos Estados Unidos deve votar nesta quarta-feira, 12, o acordo que encerra o mais longo shutdown da história americana. O presidente Donald Trump prometeu sancionar o texto “imediatamente”, descrevendo o desfecho como uma “grande vitória republicana”. Mas, por trás da retórica triunfalista, o pacote aprovado pelo Congresso representa mais uma trégua precária do que uma solução estrutural.
O acordo, aprovado pelo Senado na segunda-feira, 10, por 60 votos a 40, garante o financiamento do governo apenas até 30 de janeiro de 2026. Até lá, a Casa Branca e o Congresso terão de encontrar uma nova fórmula de consenso, ou o país enfrentará outro colapso administrativo logo no início do próximo ano.
O conflito teve origem dentro do próprio Partido Republicano. Uma ala radical, alinhada ao movimento America First, bloqueou a aprovação de um orçamento completo, exigindo cortes drásticos e restrições. A solução negociada por líderes moderados de ambos os partidos preserva o financiamento de programas sociais, como o SNAP (de assistência alimentar) até setembro de 2026, e impede demissões no serviço público até o fim de janeiro. Em contrapartida, o governo se comprometeu a não expandir iniciativas federais até a votação do novo orçamento.
Enquanto os políticos brigavam, o país parou. Famílias de servidores federais atrasaram o pagamento de aluguéis e hipotecas; parques nacionais viram o turismo despencar; contratos de defesa ficaram suspensos. O Congressional Budget Office, uma agência federal e apartidária, estima que cada semana de paralisação custe cerca de US$ 6 bilhões em atividade econômica, parte da qual dificilmente será recuperada.
Quando o presidente sanciona a lei de financiamento, o shutdown chega ao fim de forma imediata. O Office of Management and Budget envia instruções para que as agências retomem as operações, e a máquina burocrática volta a funcionar já no dia útil seguinte. Segundo Bruno Yamashita, analista da corretora de valores norte-americana Avenue, apenas após a aprovação do acordo pela Câmara e a sanção de Donald Trump o governo pode restabelecer os pagamentos aos servidores federais, condição essencial para o retorno dos funcionários afastados durante a paralisação. Os controladores de tráfego aéreo e os agentes da Administração de Segurança no Transporte dos EUA (TSA, na sigla em inglês), considerados serviços essenciais, nunca interromperam totalmente suas atividades, mas trabalharam sem remuneração por seis semanas, e muitos deixaram de comparecer após mais de 40 dias sem salário. Com o fim da paralisação, esses profissionais recebem os pagamentos retroativos e retomam a rotina em 24 a 48 horas. Nos aeroportos, o impacto é imediato: filas menores, menos atrasos e o fim dos protestos silenciosos que simbolizaram o desgaste da crise.
A normalização institucional, no entanto, não significa normalidade estatística. O shutdown suspendeu o funcionamento de agências-chave como o Bureau of Labor Statistics (BLS) e o Census Bureau, congelando a coleta e divulgação de indicadores cruciais: emprego, inflação e PIB. Quando as equipes retornam, há uma corrida contra o tempo para processar os dados represados. Historicamente, o BLS leva de 7 a 14 dias para publicar relatórios atrasados; em paralisações mais longas, como a de 2018–2019, parte das séries foi consolidada com o mês seguinte.
Para o Federal Reserve (Fed), o timing é crucial. A próxima reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto está marcada para 9 e 10 de dezembro. Se o governo retomar as operações nesta semana, o Fed ainda poderá incorporar parte dos novos números, como o relatório de emprego e o índice de preços ao consumidor (CPI), ao seu debate sobre política monetária.
Nos mercados, o alívio costuma ser imediato, mas calibrado. Historicamente, a confiança do consumidor e das empresas leva cerca de duas semanas para retornar aos níveis pré-paralisação, segundo levantamentos da Universidade de Michigan. No Brasil, a notícia também é bem-vinda. “O fim do shutdown tende a reaquecer o apetite global por risco”, avalia Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “Com a normalização dos indicadores americanos, o Fed volta a trabalhar com dados mais claros, e isso reabre espaço para discutir novos cortes de juros”, diz. Segundo o especialista, cada redução de 0,25 ponto percentual nos juros americanos pode deslocar cerca de US$ 30 bilhões da renda fixa para mercados emergentes, metade dos quais costuma encontrar destino na América Latina.