Depois que o vídeo em que o youtuber Felipe Bressanin Pereira, o Felca, expõe a sexualização de crianças e adolescentes na internet ganhou milhões de visualizações e pautou o debate político, o Congresso — que estava paralisado pelo motim bolsonarista, que tentava impor à pauta discussões sobre anistia e o fim do foro privilegiado — redirecionou os seus esforços para uma onda de projetos de lei que protegem os menores de idade nos ambientes virtuais. Reportagem de capa de VEJA mostra que, apenas em três dias foram protocolados 52 novas propostas sobre o tema. Mesmo sem a tramitação de nenhuma delas ter se iniciado, na tarde de terça, 12, parlamentares já debatiam em plenário suas ideias de encaminhamento para o assunto.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que anunciou prioridade ao tema e determinou a criação de um grupo de trabalho para analisar e encaminhar os projetos, deve pautar na próxima semana a discussão do PL 2626/2022, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que já foi aprovado no Senado. A iniciativa propõe mais obrigações às redes sociais no caso de crianças e adolescentes, obrigando-as a verificar a idade dos usuários e a criar ferramentas para que os responsáveis legais fiscalizem esse uso. Há uma previsão de aplicação de multa, mas o objetivo principal é fazer com que as plataformas abram parte de sua caixa-preta de informações e comuniquem, às autoridades brasileiras, as denúncias que recebem, os canais disponíveis para isso e o que efetivamente fizeram para lidar com essas situações. “O ponto mais importante é trazer as empresas para o centro de responsabilidade”, diz Vieira.
A discussão dos demais projetos apresentados no tsunami pós-Felca, deve, no entanto, reproduzir a polarização entre direita e esquerda, que já mostraram que têm visões diferentes de como encaminhar a proteção de crianças na internet.
De um lado, bolsonaristas, conservadores e outros deputados de direita apresentaram projetos de lei que apostam no endurecimento da penalização. Carlos Jordy (PL-RJ), por exemplo, propôs equiparar a crimes hediondos alguns delitos que estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sobre produção, armazenamento, disseminação de material pornográfico com menores. Se essa ideia for aprovada, os delitos se tornam inafiançáveis e a progressão de regime fica bem mais difícil.
Vários outros projetos de parlamentares desse mesmo espectro político criam tipos penais novos, por exemplo, para enquadrar a exposição de teor sexual crianças e adolescentes nas redes sociais. Alguns aumentam as penas dos crimes que já existem no Estatuto da Criança e do Adolescente. A pena máxima prevista pelo ECA para pornografia infantil, sem contar agravantes, é de oito anos.
Do outro lado do balcão, parlamentares de esquerda apostam na responsabilização das redes sociais e na estratégia de “cortar a fonte”. Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP) apresentaram projetos de lei para proibir a monetização (dinheiro pago pelas plataformas dependendo da quantidade de visualizações) de conteúdos em que crianças e adolescentes apareçam. Isso impediria que influenciadores como Hytalo Santos, por exemplo, ganhem dinheiro expondo a imagem de menores de idade.
Outros projetos visam às companhias que controlam as redes sociais, prevendo que elas sejam punidas pela distribuição e disseminação de conteúdos do tipo. Não será tão fácil chegar a um consenso nesses pontos. “Mesmo que pareça que há uma convergência no tocante à preocupação com as crianças, os desdobramentos são distintos”, observa Mayra Goulart.