Estivemos, durante o mês de outubro, com os olhos voltados à campanha de prevenção e combate ao câncer de mama. A iniciativa, além de conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce, divulga em grande escala informações sobre sintomas e tratamentos disponíveis. Chamar a atenção para o problema é também um meio de incentivar ações de solidariedade e apoio a pacientes que estão nessa luta e de combater o estigma associado à doença. Toda essa mobilização é extremamente positiva, mas, ante o aumento dos casos entre mulheres cada vez mais jovens, muitas vezes decorrentes de mutações genéticas, é importante garantir o acesso a tecnologias de ponta quando forem necessárias.
Sabemos que a detecção precoce do câncer de mama pode levar à cura em 95% dos casos, daí a importância do rastreamento bienal dos 50 aos 74 anos de idade, já disponível no sistema público, e também do acesso de mulheres de 40 a 49 anos à mamografia mesmo sem histórico familiar. A ampliação da faixa etária de pessoas que têm o direito garantido aos exames foi um passo importante dado pelo SUS (Sistema Único de Saúde) neste ano ante a alta dos casos de surgimento precoce da doença. Na prática, porém, esse direito é exercido de forma desigual no país.
Segundo o Atlas da Radiologia no Brasil (2025), elaborado pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), o país tem 6.800 mamógrafos, dos quais quase metade está na região Sudeste. Além disso, metade deles atende todo o setor público. Considerando que 75% da população depende do SUS, o número é insuficiente, sobretudo quando se levam em conta as assimetrias regionais. No Norte e no Centro-Oeste, a disponibilidade de aparelhos fica bem abaixo da média nacional.
O problema é particularmente agudo na região Norte, pois os equipamentos disponíveis, além de serem poucos, estão nas capitais. Isso obriga as mulheres que vivem no interior do Amazonas, por exemplo, a fazer longos deslocamentos por via fluvial para ter acesso a uma mamografia, a uma biópsia e, se necessário, ao tratamento. Ações como as “carretas” de mamografia realizadas nas cidades procuram amenizar o problema, mas são insuficientes. No Acre, há 23 mamógrafos, mas apenas sete para pacientes do SUS.
No caso das populações indígenas e ribeirinhas, que vivem em locais de difícil acesso, o desafio é ainda maior. A Marinha do Brasil tem atuado para enfrentar essa situação por meio de ações como a Expedição Outubro Rosa Fluvial, que em 2023 realizou cerca de 2.000 mamografias em comunidades ribeirinhas da região Norte. Além disso, navios-hospital e helicópteros adaptados para transporte aeromédico são usados em expedições regulares, como a Operação Acre, que está em sua 25ª edição. Neste ano, graças a uma parceria entre o Hospital Universitário Getúlio Vargas, da Universidade Federal do Amazonas, a Marinha e a seccional Amazonas da Ordem dos Advogados do Brasil, o Outubro Rosa chega ao Polo Base Nossa Senhora da Saúde, que integra o Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus (DSEI Manaus).
Embora valiosas, essas iniciativas ainda são esporádicas ou vinculadas a campanhas temáticas. O ideal é criar políticas públicas mais estruturadas e permanentes, compatíveis com a realidade de um país extenso e diverso como o Brasil. O rastreamento precisa ser equitativo e efetivo, o que exige planejamento e integração entre os setores. A desigualdade de acesso compromete a detecção precoce do câncer de mama.
O atraso no diagnóstico gera sofrimento, desfechos menos satisfatórios e, ao mesmo tempo, aumenta os custos do sistema de saúde, que terá de lidar com maior quantidade de casos avançados e complexos. Investir em equipamentos seria, portanto, uma solução inteligente do ponto de vista econômico, embora a otimização do uso dos aparelhos existentes, com unidades móveis, telerradiologia, capacitação de equipes e parcerias público-privadas, seja um caminho ainda mais estratégico em face da limitação de recursos.
O avanço do câncer, de modo geral, é uma preocupação global. Recente estudo publicado na revista Lancet projeta um montante de mais de 30 milhões de diagnósticos e de quase 19 milhões de mortes no ano de 2050, um aumento de 74% em relação ao ano de 2024, se não forem tomadas medidas. Entre as mulheres, o tipo mais comum de câncer é o de mama, que, no Brasil, deve somar neste ano mais de 73 mil novos casos, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
O câncer é uma doença multifatorial. Seu desenvolvimento está relacionado ao acúmulo de mutações que ocorrem no organismo ao longo da vida, o que torna o envelhecimento, por si só, um fator de risco. Alterações genéticas podem ocorrer por excesso de exposição à luz solar, pelo consumo regular de alimentos ultraprocessados, pela ação de vírus (como o HPV), pelo tabagismo, pelo sedentarismo, pela obesidade, pela ingestão imoderada de álcool. Esses e outros fatores, muitos dos quais preveníveis, criam um quadro de predisposição ao aparecimento da doença.
Diante disso, o ideal é que as campanhas de prevenção se tornem permanentes, de modo a criar na população a cultura da prevenção, que se faz com vacinação, exames regulares e mudança de hábitos. O Brasil teve uma sensível redução do tabagismo graças à insistência das campanhas e à proibição do cigarro em ambientes públicos. Esse quadro sofre ameaça de retrocesso em razão dos dispositivos eletrônicos (vapes), que vêm atraindo os jovens, como se fossem livres de substâncias cancerígenas. Embora sua comercialização seja proibida no país pela Anvisa, o comércio ilegal continua em crescimento.
Incluir exercícios físicos e alimentação saudável na rotina é uma atitude que todos podemos tomar. Sabemos, é verdade, que os ultraprocessados, por serem mais baratos e práticos, às vezes são a única opção de uma parcela da população. Essa situação precisa mudar. São bem-vindas ações que vêm suprimindo esse tipo de alimento da merenda escolar, o que ajuda a criar bons hábitos desde a infância e a garantir melhores condições de saúde para as crianças.
Infelizmente, o câncer é uma doença insidiosa. Também pode estar associado à poluição, ao estresse, a distúrbios de sono, à exposição a pesticidas, a microplásticos e a outras substâncias tóxicas, quando não ligado à herança genética, o que é comum em crianças e jovens. Hoje, entre 5% e 10% dos casos de câncer estão associados a fator hereditário. Daí a importância do mapeamento genético para orientar eventual tratamento personalizado. O câncer de mama, por exemplo, tem vários subtipos e, consequentemente, várias abordagens.
A terapia gênica tem avançado como alternativa promissora no tratamento do câncer de mama, especialmente em casos agressivos ou resistentes. Pesquisas brasileiras, como as conduzidas pelo INCA e pela USP São Carlos, exploram abordagens que combinam imunoterapia e edição genética para reprogramar células do sistema imunológico e combater tumores. Essas terapias ainda estão em fase experimental, mas são promissoras.
Ao mesmo tempo, medicamentos inovadores como o Trastuzumabe Entansina, já incorporado ao SUS, representam avanços na terapia-alvo para câncer de mama HER2-positivo, oferecendo maior eficácia e menos efeitos colaterais em comparação aos quimioterápicos tradicionais. No entanto, o alto custo dessas terapias, que pode ultrapassar centenas de milhares de reais por paciente, ainda é um desafio. O Brasil precisa investir na produção nacional de medicamentos de ponta para democratizar o seu acesso.
Vamos vencer a batalha contra o câncer com a união de forças: por um lado, é preciso conscientizar a população da importância da prevenção no dia a dia e, por outro, investir no desenvolvimento científico nacional, que nos faculte acesso ao que há mais moderno na ciência sem que precisemos depender de medicamentos de altíssimo custo importados de outros países.
