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‘Precisamos confiar na ciência’, diz príncipe de Mônaco em entrevista a VEJA

O Príncipe Albert II de Mônaco desembarcou em São Paulo nesta sexta-feira, 7, para a implantação oficial da filial latino-americana da sua fundação, que será presidida pelo advogado Arnoldo Wald Filho, cônsul honorário do Principado no Brasil. Criada em 2006, a Fundação Príncipe Albert II de Mônaco é uma organização global sem fins lucrativos com foco na preservação da biodiversidade, proteção dos oceanos e mitigação das mudanças climáticas.

O escritório local, inaugurada em São Paulo em maio de 2023, terá agora como missão mobilizar recursos e apoio institucional para projetos de reflorestamento, conservação de ecossistemas e financiamento de pesquisas científicas, em parceria com instituições como USP e Fapesp.

Em entrevista a VEJA, o príncipe destacou a necessidade de engajar jovens e lideranças empresariais e governamentais em soluções sustentáveis. “Precisamos confiar na ciência: 97% dos cientistas do mundo concordam que a mudança climática é real. Ignorar isso é um erro grave”, afirmou. Para Albert II, tecnologia e sustentabilidade não são opostos, mas podem caminhar juntos para gerar crescimento econômico e proteção ambiental.

A visita do príncipe ao Brasil e sua participação na COP30 reforçam a urgência de ações concretas. “É maravilhoso falar sobre intenções e planos, mas cada país precisa assumir compromissos efetivos para reduzir emissões e mitigar impactos. Temos apenas uma janela de cinco anos para mudar a trajetória das mudanças climáticas”, alertou.

Confira a entrevista abaixo.

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O que motivou a abertura de um escritório da Fundação aqui no Brasil? Nós consideramos importante ter uma presença na América Latina. Isso já estava nos nossos planos há muitos anos, especialmente porque já tínhamos contatos importantes na região e participamos de vários projetos relacionados à Amazônia, inclusive grandes iniciativas com Sebastião Salgado e sua fundação. Este será o nosso décimo primeiro escritório no mundo.

Quais oportunidades o senhor identificou no Brasil e na América Latina? Percebemos, no Brasil e em toda a América Latina, um forte desejo de avançar na agenda da sustentabilidade, repensar padrões de consumo e produção, e adotar práticas energéticas mais limpas e responsáveis. Nosso objetivo é contribuir com esse processo. Somos uma fundação relativamente pequena, mas atuamos diretamente no campo com parceiros ao redor do mundo e já realizamos projetos em mais de sessenta países. Aqui no Brasil, esperamos construir parcerias, gerar impulso e, principalmente, fortalecer a participação dos jovens. Engajar as novas gerações é essencial: elas precisam estar na linha de frente da transição para um futuro sustentável. Sem essa liderança e mentalidade adequada, enfrentaremos grandes desafios. Por isso, empoderar os jovens é tão importante.

Na sua visão, como governos e empresas podem trabalhar juntos para proteger o ambiente e acelerar ações concretas? Já existem soluções incríveis, elas apenas precisam ganhar escala, financiamento e parceiros. Mas ainda há certa relutância do setor empresarial em se envolver ou assumir riscos. A maioria das empresas busca retornos garantidos e modelos já consolidados; as pessoas tendem a preferir “o caminho seguro”. O que precisamos é mostrar que essas novas soluções são viáveis e representam o melhor caminho para o futuro. Não podemos mais depender de abordagens antigas nem operar no modo “business as usual”. Isso não é mais possível. A comunidade científica deixa isso muito claro, e precisamos confiar na ciência.

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O senhor acredita que estamos vivendo um retrocesso em alguns países? Infelizmente, alguns líderes de grandes países ainda escolhem não acreditar na ciência. Acredito que isso seja um erro grave: 97% dos cientistas do mundo não podem estar errados. Os outros 2% ou 3% muitas vezes recebem financiamento de grandes corporações para argumentar que a mudança climática não existe. Mas os cientistas independentes, no mundo todo, já confirmaram que a mudança climática é real e que enfrentamos problemas sérios, desde instabilidade climática até colapso de ecossistemas.

O senhor acredita que o aspecto financeiro seja uma barreira para as empresas? Precisamos engajar o setor empresarial. E, naturalmente, para as empresas, isso também precisa fazer sentido econômico. Sem perspectiva de retorno sobre o investimento, elas relutarão em participar. Todos esses aspectos precisam ser considerados em conjunto.

Nas discussões climáticas, ouvimos pouco sobre preservação dos oceanos. Como a Fundação pretende trazer esse tema para o centro do debate? Trazendo à luz as evidências científicas que já temos, que demonstram que o oceano é absolutamente vital para a vida na Terra. Sem ele, não conseguiríamos respirar como fazemos hoje, porque ele produz quase metade do oxigênio que consumimos. O restante vem das florestas e de outros sistemas naturais. O oceano também desempenha papel fundamental na absorção dos gases de efeito estufa que emitimos. Mas ele está próximo do limite de sua capacidade. Quanto mais emissões geramos, mais difícil se torna para os oceanos e outros ecossistemas continuarem cumprindo essa função essencial. Se não entendermos que um planeta saudável é impossível sem um oceano saudável, então falharemos em nossa missão de transmitir essa mensagem.

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O senhor mencionou a importância da economia azul. Pode explicar melhor? A economia azul envolve desenvolver atividades econômicas ligadas ao oceano de forma sustentável, investindo em empresas que criam soluções inovadoras, utilizam recursos marinhos sem degradá-los e contribuem para regenerar os ecossistemas oceânicos. Existe, portanto, um modelo econômico que funciona, ou que já demonstra funcionar. Ele apenas precisa de mais investimentos.

A Fundação possui algum financiamento na área de preservação dos oceanos? Sim, é exatamente isso que buscamos com o ReOcean Fund, um fundo de 100 milhões de euros criado em parceria com uma instituição financeira de Mônaco. Esse fundo investirá em empresas que contribuem para a recuperação de ecossistemas e produzem dados científicos capazes de ampliar nossa compreensão sobre como esses sistemas funcionam. E, quando for o momento de utilizar os recursos que esses ecossistemas oferecem, isso deverá ser feito de maneira totalmente sustentável.

Quais soluções concretas o senhor espera que saiam do papel após a COP30? Este precisa ser um momento decisivo, um chamado maior à ação. É maravilhoso falar, em teoria, sobre intenções e planos, sobre o que já fizemos e o que pretendemos fazer. Mas, acima de tudo, cada país precisa assumir compromissos mais fortes para reduzir emissões de gases de efeito estufa e mitigar impactos das mudanças climáticas. Isso se aplica a todas as áreas: energia, agricultura e diferentes setores da economia. Precisamos produzir melhor e de forma mais sustentável, usar a energia e a água de maneira consciente, eficiente e responsável. Novas tecnologias, como data centers, consomem grandes volumes de energia e água. Elas são valiosas, mas devem ser aplicadas de forma regulamentada e eficiente, sem desperdiçar recursos.

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O senhor acredita que a tecnologia pode ser aliada do meio ambiente e da sustentabilidade? Sim, podemos usá-la para o bem. A tecnologia precisa ser uma aliada. Por muito tempo, a economia foi colocada em oposição à natureza, mas não precisa ser assim. É fundamental promover integração, não oposição. A tecnologia está à nossa disposição como ferramenta para gerenciar sistemas e aplicar soluções que promovam o uso racional dos recursos naturais.

Que mensagem o senhor gostaria de deixar para líderes e para a sociedade? É preciso trabalhar constantemente para manter a agenda ambiental no topo das prioridades, nacionais e internacionais. É uma batalha contínua. O tempo está se esgotando. Cientistas e especialistas nos alertam, e a ONU divulgou relatório dizendo que temos apenas cinco anos para reduzir emissões de gases de efeito estufa e tornar ecossistemas mais resilientes. Caso contrário, poderemos enfrentar aumentos de temperatura disruptivos, entre 3 e 4 graus ou mais, até o final do século. Por isso, é fundamental transmitir essas mensagens e manter a conscientização sobre a urgência da situação.

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