Miuccia Prada costuma afirmar que “moda é instantânea e eterna ao mesmo tempo”. Frase que perfeitamente sintetiza o impacto da união entre a Versace e o Grupo Prada – a venda da grife criada por Gianni Versace foi concluída nesta terça-feira 2, selando um movimento aguardado há tempos e que redefine as forças do luxo italiano. O encontro entre duas das casas mais emblemáticas do país marca um novo capítulo para a indústria, reacende ambições de escala global e reposiciona a Itália no tabuleiro fashion dominado por franceses e norte-americanos.
O acordo, anunciado em abril, foi finalizado por 1,25 bilhão de euros (cerca de US$ 1,4 bilhão). A antiga controladora Capri Holdings usará o valor para reduzir dívidas e reorganizar seu futuro. É o ponto final de uma negociação que se arrastava há anos e que só ganhou velocidade quando a fusão entre Capri e Tapestry, avaliada em US$ 8,5 bilhões, naufragou. Com o impasse, a Prada retomou conversas anteriores à pandemia e acelerou o processo. “Era algo em desenvolvimento há muito tempo”, admitiu Lorenzo Bertelli, do Grupo Prada.
A negociação, no entanto, é maior do que uma simples compra e venda. Trata-se da criação de um novo polo de poder italiano. Num cenário global dominado pelo músculo francês da LVMH e pelo apetite corporativo americano, a união Prada–Versace reposiciona a Itália no mapa do luxo. Paradoxalmente, embora o país concentre entre 50% e 55% da produção global de bens pessoais de luxo, faltava-lhe um conglomerado de escala comparável aos gigantes internacionais. A Prada, avaliada em cerca de US$ 15 bilhões, cresce agora em estatura e ambição — ainda distante dos US$ 316 bilhões da LVMH, mas com um arsenal industrial capaz de ganhar impulso e velocidade inéditos.
Águas turbulentas
A Versace chega ao grupo depois de um período turbulento. O prejuízo operacional de US$ 54 milhões no primeiro trimestre, somado ao desafio de se reposicionar em meio à maré do quiet luxury, reduziu seu valor de mercado — a Capri pagara US$ 2 bilhões pela marca em 2018, mais do que recebeu agora. Ainda assim, seu capital simbólico segue monumental. “A Versace inventou o glamour moderno, inventou as supermodelos, trouxe a moda para a cultura popular”, declarou Andrea Guerra, CEO da Prada, ao FashionNetwork. Ele a define como “uma marca extraordinária” que completa o portfólio do grupo sem perder sua singularidade mediterrânea.
O futuro próximo, no entanto, parece já estar desenhado: a Prada havia anunciado, em abril, um aporte adicional de 250 milhões de euros para inaugurar a nova era da Versace. Somado ao plano industrial iniciado em 2019 — que inclui mais de 300 milhões de euros investidos em fábricas e quatro novos projetos de produção — o grupo se aproxima da meta de 8 bilhões de euros em faturamento. Ou seja, o prazo para atingir esse volume deve encurtar.
Italians do it better?
Já em termos de criação, será um capítulo à parte. Donatella Versace deixou a direção artística em março, após quase 30 anos imprimindo a sensualidade maximalista que eternizou a casa fundada pelo irmão em 1978. No comando está Dario Vitale, vindo da Miu Miu — e a sintonia com o novo núcleo de poder deverá definir o alinhamento estético da marca. Quando o processo de integração estiver concluído, Lorenzo Bertelli assumirá a presidência executiva da Versace, tarefa que exigirá preservar a centelha que a tornou icônica sem ignorar os novos ventos da indústria fashion.
Em um país onde moda é tratada como patrimônio, gesto político e arte aplicada ao cotidiano, o encontro entre Prada e Versace soa mais como reencontro: dois capítulos de uma mesma narrativa, agora unidos pela vontade de futuro. É o tipo de união que vai além de marcas, fortalece uma nação inteira de história criativa. Gianni Versace dizia: “a moda vai além das roupas; é uma forma de vida” Assim, fica agora a pergunta: o que pode o mundo do luxo quando a Itália decide caminhar unida? É esperar para ver.