Era início do primeiro governo Lula quando o então chefe da pasta da Justiça Márcio Thomaz Bastos começou a rascunhar uma lista com candidatos que considerava ideais para ocupar algumas das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF). Criminalista experiente e conselheiro direto do petista, ele entrevistou pessoalmente diversos nomes, inclusive os de perfis alinhados à centro-direita, e apresentou ao presidente nada menos que 400 aspirantes a ministro. A sabatina informal a que professores consagrados, tributaristas de renome, desembargadores e membros do Ministério Público se submetiam servia para Thomaz Bastos se certificar das afinidades políticas de cada concorrente, mas também para que captasse o nível de uma das três únicas exigências previstas na Constituição para alguém atingir o patamar de juiz da Suprema Corte: o notório saber jurídico. Nos seus onze anos de governo, Lula indicou ao cargo três advogados, dois desembargadores, dois procuradores, dois ex-auxiliares e um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Nem todos foram uma unanimidade.
Na segunda 29, o ministro Luís Roberto Barroso, que figurou na lista dos 400 de Thomaz Bastos ainda em 2003, deixou a Presidência do STF. A saída e a consequente posse de Edson Fachin para comandar a Corte pelos próximos dois anos não passariam de um rodízio habitual no Supremo não fosse o fato de Barroso alimentar expectativas de se retirar do tribunal a qualquer momento, aposentando-se quase oito anos antes da data-limite de 75 anos. “É muito difícil deixar o Supremo, que, para quem gosta do Brasil e tem compromissos com o Brasil, como eu tenho, é um espaço relevante. Mas há outros espaços relevantes na vida brasileira, de modo que eu estou considerando todas as possibilidades, inclusive a de ficar”, disse, misterioso, nos dias que antecederam o fim de sua presidência no STF. O projeto original do ministro, admitido pelo próprio em entrevista às Páginas Amarelas de VEJA assim que chegou ao posto máximo da Corte, era deixar o cargo agora, imediatamente após passar a batuta ao sucessor. O enigma está posto — e, curiosamente, tem movimentado mais o universo político do que o mundo jurídico.

Barroso conversou com o presidente mais de uma vez sobre a aposentadoria precoce, não deu garantias de que de fato vai sair, mas a simples revelação da hipótese desaguou em uma corrida de candidatos pela vaga. Ao contrário das entrevistas feitas em 2003, quando Lula escolheu os primeiros três ministros para o Supremo, desta vez interesses políticos e afinidades partidárias têm prevalecido nas avaliações sobre o provável sucessor. Um dos critérios de seleção é que o futuro candidato agrade ao Senado. Também se fala em vetos a nomes que já demonstraram algum tipo de hostilidade em relação aos congressistas. Cabe ao presidente da República indicar o seu escolhido, mas é o Senado quem dá a palavra final.
Com o Judiciário fortalecido por episódios recentes, como a condenação de Jair Bolsonaro, ministros da Corte também fizeram chegar ao presidente que indicações de advogados de esquerda ou ligados a sindicalistas não seriam bem-vistas. Por essas peneiras, por enquanto, passaram dois nomes: o advogado-geral da União, o petista Jorge Messias, e o ex-presidente do Congresso Rodrigo Pacheco, este endossado pelos ministros do Supremo Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Há algum tempo os dois já fazem movimentos abertos para serem lembrados como opções viáveis. Messias já figurou na última lista de candidatos, quando o então chefe da Justiça Flávio Dino acabou escolhido, enquanto Pacheco já recebeu o apoio explícito de importantes autoridades.

Se Barroso decidir pela saída, Lula terá, além da vaga dele, outras três cadeiras a preencher caso seja reeleito, já que Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes completam 75 anos, data da aposentadoria compulsória, antes do fim do próximo mandato presidencial. Em tese, o petista pode terminar sua quarta passagem pelo Planalto com uma Corte composta por sete dos onze ministros indicados por ele. Esse cenário inspira teorias, faz brotar candidatos a vagas que não existem ainda e é usado em certos casos como moeda para sedimentar acordos e atender a interesses políticos.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964