É fácil abraçar a ideia de que sem inteligência artificial você não vai conseguir um lugar no mercado de trabalho. Ou pode ser trocado por uma máquina. Mas como fica para quem mal tem celular capaz de rodar um ChatGPT ou outra dessas tecnologias que geram tanto buzz?
Daí a importância de debater a democratização da IA, que assim como outras tecnologias de uso geral tende a se integrar no cotidiano das pessoas a ponto de a gente só perceber sua real importância quando a perdemos – pense no transtorno de um dia sem energia elétrica, por exemplo.
Colocar o tema em pauta é um dos objetivos do evento AI Brasil Experience, que acontece em São Paulo nos dias 30 e 31 de outubro. A seguir, a CEO Tatiana Oliveira explica do que se trata e por que pensar em colocar IA nas mãos de todo brasileiro pode ser mais urgente do que parece.
Por que um cidadão comum deveria usar IA?
Primeiro porque, em vários aspectos, ela facilita a vida. Depois, porque quem não conseguir utilizar inteligência artificial no ambiente de trabalho vai ficar para trás. Cada vez mais. E isso pode aumentar desigualdades sociais, aprofundar um vale que já existe entre pessoas com e sem acesso à tecnologia.
Daí a importância de se debater democratização da IA, portanto.
É muito importante trabalhar essa democratização logo, porque num futuro próximo a IA vai ser algo do dia a dia, comum, como aconteceu com inovações anteriores. E, do mesmo jeito que hoje não se vive sem energia elétrica ou sem internet, a tendência é ficar inviável um cotidiano sem saber lidar com inteligência artificial. Esse vale que mencionei tende a se acentuar, se nada for feito.

Na prática, o que significa democratizar IA? Dar assinaturas dos modelos para as pessoas? Letramento tecnológico?
A gente pode dar licenças de uso de aplicativos para as pessoas, o que seria uma forma de a iniciativa privada facilitar, num primeiro momento. Só que pensa no seguinte: hoje no Brasil, 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, sem contar a parcela da população que é completamente analfabeta. Então não adianta apenas colocar isso na mão da pessoa. É preciso educá-la para utilizar de forma adequada. Pode ser que a pessoa use IA generativa só para fazer vídeo para o Tik Tok, e tudo bem. Mas dá para ensinar a fazer as perguntas certas, a extrair o melhor das ferramentas e fazer algo que melhore de fato a vida.
Como fazer isso no Brasil que é imenso e cheio de desigualdades? Conheço professores que dão risada quando falo em IA, porque trabalham em escolas onde mal tem wi-fi.
Aí é que está. Como pensar num movimento de democratização da inteligência artificial no Brasil sem antes pensar na democratização da educação, do saneamento básico e da alimentação? Milhões de brasileiros vivem sem coleta e tratamento de esgoto. Muitas pessoas não conseguem nem cogitar a ideia de ter um celular que rode aplicativo de IA.
Além desses, que outros obstáculos dificultam a democratização?
O baixo investimento em infraestrutura. O atual Plano Brasileiro de Inteligência Artificial prevê investimento de R$ 23 bilhões nos próximos anos, cerca de R$ 5 bilhões deles direcionados para infraestrutura. São números que podem parecer imensos, mas que empalidecem quando a gente compara com os de outros países. Nos Estados Unidos, especialmente com envolvimento da iniciativa privada, fala-se em investimento da ordem de US$ 100 bi por ano.
Como o AI Brasil seu evento busca contribuir para essa democratização?
O evento serve como um momento para esses debates, com nove palcos em que vai ter uma programação muito rica e variada. Todos os palestrantes são brasileiros, vários deles com cases sobre como implementaram soluções de IA e conseguiram bons resultados. Além disso, vamos ter 90 oficinas para os participantes. A intenção é que as pessoas saiam com aprendizado para levar a IA para seus negócios, sua vida pessoal ou seus estudos.
Vocês vendem ingresso, pelo que vi no site do evento. Como ficam as pessoas que não podem pagar, já que a ideia é democratizar a IA?
Temos várias iniciativas nesse sentido. Primeiro, baixamos o valor dos ingressos de R$ 1499 para R$ 499, por ver que não condizia com a intenção do evento. Também estamos trabalhando para levar pessoas de baixa renda, fornecendo ingressos gratuitos. Inclusive buscando fornecer computadores para uso durante as oficinas. Além disso, micro e pequenos empreendedores podem se inscrever pelo formulário que está rodando nas redes sociais e ganham dois ingressos.