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Por que tantos comparam situação da Ucrânia com o Pacto de Munique?

Neville Chamberlain era um homem decente, conservador e convencido de que uma nova guerra na Europa deveria ser evitada a todo custo. A opinião pública britânica concordava com ele. Tornou-se sinônimo de ingenuidade, desonra e até infâmia por ter assinado o Pacto de Munique, o acordo humilhante pelo qual a Grã-Bretanha e a França concordavam que A Alemanha nazista engolisse os Sudetos, uma região da Checoslováquia com grande população de origem alemã. Foi, certamente, uma concessão vergonhosa – além de inútil, pois o acordo assinado em 30 de setembro de 1938 foi rasgado por por Adolf Hitler menos de seis meses depois.

O pacto passou para a história como sinônimo de apaziguamento, da inútil tentativa de assinar acordos com ditadores determinados a fazer conquistas territoriais. Os paralelos com a situação da Ucrânia, tão cobiçada por Vladimir Putin, são óbvios, embora exijam cautela. A Rússia de Putin não está bombando como a Alemanha de Hitler em 1938 e o “isolacionismo” de Donald Trump não chega nem perto do que existia nos Estados Unidos na época.

Tampouco, infelizmente, existe um Winston Churchill para fazer discursos fenomenais sobre os riscos do apaziguamento. Colocados todos juntos, os líderes europeus que foram a Washington para tentar proteger Volodimir Zelenski – e a causa ucraniana – não dão meio Churchill. Mas é o que temos e todos se comportaram com dignidade.

Disse ele, como simples membro do Parlamento, em 5 de outubro de 1938, quando Chamberlain voltou sob os aplausos das multidões com a “paz para o nosso tempo”:

“Começarei dizendo a coisa mais impopular e indesejável. Começarei dizendo o que todos gostariam de ignorar ou esquecer, mas, no entanto, deve ser declarado: sofremos uma derrota total e absoluta, e a França sofreu ainda mais do que nós”.

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‘Prato por prato’

“O máximo que ele conseguiu para a Checoslováquia e nos temas que estavam em disputa foi que o ditador alemão, em vez de roubar os mantimentos da mesa, se contentou em tê-los servido prato por prato”.

Irá Vladimir Putin se servir “prato por prato” do território ucraniano? Este é o maior de todos os temores – e não apenas da Ucrânia, como dos Países Bálticos e outros integrantes da antiga esfera russa de “influência”, uma palavra elegante para designar subserviência.

O que Churchill dizia na época não parecia completamente óbvio – e ele chegou a ter a reeleição ameaçada por ter se colocado tão radicalmente contra o Acordo de Munique. O raciocínio era parecido com o que se faz hoje em relação à Ucrânia: por que arriscar tanto, principalmente considerando-se que a Rússia tem o maior arsenal do planeta (embora não o mais eficiente), por terras estranhas, com nomes obscuramente similares ao dos Sudetos? Kherkov ou Zaporijia valem o risco das vidas confortáveis que americanos e europeus desfrutam?

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A hipótese de que a Ucrânia não seja traída e abandonada como a Checoslováquia de 1938 tem suas maiores garantias nas palavras de Donald Trump de que “nós vamos dar a eles uma proteção muito boa, uma segurança muito boa”. Zelenski apresentou sua “lista de compras”, o que a Ucrânia espera dos Estados Unidos: “Armas, pessoal, treinamento, missões e inteligência”.

Estadista ou narcisista?

As declarações de Trump causaram grande alívio entre os angustiados líderes europeus. A palavra “Munique” foi riscada de qualquer discurso oficial e os britânicos chegaram a comemorar o fato de que Zelenski seguiu o conselho deles, de sempre começar qualquer declaração com um agradecimento aos Estados Unidos – por sinal, merecido. Foi comemorado até o fato de que o presidente ucraniano usou de paletó militar – sem gravata, como é sua marca registrada -, numa espécie de concessão para evitar uma repetição do lamentável entrevero ocorrido em fevereiro passado no mesmo ambiente do Salão Oval, o gabinete presidencial na Casa Branca.

Quando foi a Munique, em 1938, Neville Chamberlain provavelmente já tinha as primeiras manifestações do câncer de intestino que o mataria apenas dois anos depois. Vários historiadores já tentaram resgatar sua figura, como a de um político de bons princípios, embora equivocado, mas ele passou inexoravelmente à história como sinônimo de fraqueza e frouxidão de princípios.

Como Donald Trump será considerado? Um inesperado estadista que acaba com uma guerra hedionda que já deixou cerca de 1,5 milhão, dos dois lados, entre mortos e feridos? Como um tolo deslumbrado por Putin que não enxerga sua política expansionista, um narcisista que só pensa no próprio prestígio – e sonha com um Nove da paz? Como uma mistura de tudo isso, mas esperto no uso do poder americano, capaz de convocar uma reunião de cúpula em 48 horas e armar um acordo de paz para ser decidido no prazo de uma semana? Façam suas escolhas.

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