O assassinato de Charlie Kirk teve um impacto ainda difícil de ser compreendido – repercutindo não apenas nos Estados Unidos, mas até no Brasil, incluindo imitadores dos americanos que copiaram as postagens celebrando o crime.
É fácil fazer isso porque por aqui raramente se paga o preço da comemoração – e nem advogados aconselham a um rápido e completo pedido de desculpas para evitar processos, como acontece quando os envolvidos não brasileiros.
Nos Estados Unidos, e até na Inglaterra, a conta está chegando rapidamente. O governador da Flórida, Ron DeSantis, prometeu demitir todos os professores da rede pública que comemoraram o assassinato. E houve muitos casos de mestres a quem as pessoas confiam seus filhos celebrando um crime político. “Esse pode não ser o obituário com o qual sonhamos acordar, mas fica em um bom segundo lugar”, disse a professora Kelly Brooks-Sanchez, de uma escola de primeiro grau de Orange Park, no interior da Flórida, conseguindo praticar duas atrocidades ao mesmo tempo – todo mundo sabe quem está no topo da lista dela.
Outros casos espantosos: uma anestesista – da profissão à qual entregamos nossas vidas – fez um vídeo comemorativo na Flórida e um neurologista do Recife elogiou a “mira impecável”do assassino. Médicos!
E até uma integrante do Corpo de Bombeiros do interiorzão americano, além do agente do Serviço Secreto. Anthony Pugh, afastado depois de insinuar que o influenciador de direita havia sido vitimado pelo próprio carma. O duo de rappers Bob Vylan conseguiu, simultaneamente, execrar um morto e também os “sionistas”- modo de dizer judeus.
Stephen King, o escritor, teve a honradez de pedir desculpas por uma postagem mentirosa, na qual dizia que Kirk defendia a morte por apedrejamento de gays. No caso, havia o vídeo para desmenti-lo – o mesmo caso do New York Times, que retratou uma acusação falsa de antissemitismo. É preciso reconhecer que muitos outros não fariam o mesmo, já que acreditam apaixonadamente que a vítima “provocou” o próprio assassinato e não se interessam pelas provas em contrário. Se um grande conhecedor do peso das palavras como Stephen King e um jornal do nível do Times se deixam levar por falsas informações, imaginem pessoas comuns, com muito ódio no coração e pouco juízo na cabeça.
‘UM GRANDE CARA’
“O ódio é o prazer mais duradouro; os homens amam com pressa, mas odeiam com calma”, escreveu Byron. O mundo digital mostra que também se pode odiar com pressa e sem pensar nas consequências.
A vida na bolha, onde você pode desejar a morte dos inimigos ideológicos em muito mais do que dois minutos de ódio, é tão separada do resto do mundo que muitos jovens, estudantes e profissionais, e outros nem tão jovens assim, não se deram conta de como poderiam arruinar suas carreiras e ter dificuldades para arranjar empregos – considerando-se que a internet é para sempre e não adianta eliminar postagens comprometedoras. Mais uma prova de como as lentes ideológicas emburrecem pessoas inteligentes. O barco dos tolos que nunca haviam ouvido falar em Kirk e de repente se tornaram autoridades máximas no assunto foi ficando superlotado.
As paixões, contra e a favor, despertadas por Charlie Kirk mostram, entre tantas outras coisas, o poder das redes sociais. Ele tinha vinte milhões de seguidores e Donald Trump contou que, entre tantas pessoas célebres por quem poderia ter se interessado, foi Kirk que seu filho Barron, de 19 anos, pediu para conhecer. “Um grande cara”, disse ele ao pai depois de almoçar com o influenciador.
Kirk tinha uma enorme influência sobre jovens como Barron Trump por oferecer um produto escasso no mercado: argumentos a quem não se deixa convencer pela onipresente doutrinação de esquerda, mas às vezes se sente isolado e sem munição intelectual para resistir. Argumentos bons, por mais que se discordasse deles – daí o ódio de seus adversários.
AURA DE MÁRTIR
Por essa capacidade de recrutamento e convencimento, era adorado e odiado. Nas homenagens espontâneas, muitas pessoas se ajoelhavam para rezar pelo influenciador, já contemplado com a aura de mártir.
Muitos começaram a dizer que ele estava destinado a ser presidente, um herdeiro do trumpismo, com bastante tempo pela frente – e um lugar na fila depois de JD Vance e de Donald Trump Jr, os dois nomes mais mencionados para a sucessão; ambos amigos próximos de Kirk a ponto de ter seu caixão transportado no avião do vice-presidente e carregado por ele ao desembarcar).
O jovem assassino, Tyler Robinson, foi criado numa família mórmon e seu pai recorreu aos conselhos da igreja quando viu o que o filho havia feito. Abriu-se assim o caminho para que se entregasse.
Tyler tem um perfil tantas vezes visto em episódios de violência, deglutido pelo mundo online e os games infinitos. Morava com um transexual que fazia a transição. É possível que daí viesse o ódio a Charlie Kirk, um defensor de valores tradicionais e crítico da ideia de que, para ser mulher, basta se declarar mulher, mas muitos aspectos ainda estão por ser esclarecidos.
‘CÂNCER NA SOCIEDADE’
Mais tolerância faria bem a todas as partes, mas a intolerância hoje é uma mercadoria mais valorizada. Matar alguém que pensa diferente virou uma ideia não só aceita, como elogiada. É um caminho que não leva a nada de bom e não existe nada pior do que acertar um tiro de fuzil na carótida de um oponente.
“As redes sociais são um câncer na sociedade neste momento”, disse o governador de Utah, Steve Cox, um ex-missionário mórmon como tantos outros moradores do estado, onde praticantes dessa religião tão unicamente americana prosperaram.
Nesses momentos de extrema comoção e perturbação nacional com o primeiro assassinato político plenamente vivido nas redes sociais do planeta inteiro, a ponto de Javier Milei e Giorgia Meloni condenarem celebrações do assassinato e sul-coreanos fazerem uma manifestação entoando “Nós somos Charlie Kirk”, o governador virou uma voz da razão.
Infelizmente, são poucas as chances de que seja ouvido e que cada um reflita sobre seu próprio papel, em vez de culpar a “sociedade”, os “Estados Unidos”, as “armas” – além, obviamente, da direita ou da esquerda. “Desconecte-se, desligue-se, volte à vida real, abrace uma pessoa da família”, aconselhou Cox a um mundo onde os vinte minutos de ódio têm muito mais apelo.