counter Por que Rondônia é o front mais dramático da destruição da Amazônia – Forsething

Por que Rondônia é o front mais dramático da destruição da Amazônia

A viagem por Rondônia é um retrato cru da devastação da Amazônia. Ao percorrer o arco do desmatamento, que se estende do leste do Acre até o norte do Mato Grosso, é possível ver a floresta cedendo espaço a pastagens, campos de soja e estradas ilegais, um mosaico de tons ocres que substitui o verde da mata tropical.

Municípios como Cujubim, Machadinho d’Oeste e Porto Velho figuram entre os campeões nacionais de derrubada de floresta primária.

Segundo dados do Global Forest Watch, Rondônia possui hoje cerca de 14 milhões de hectares de floresta natural, o equivalente a 59% de sua área total, mas perdeu mais de 96 mil km² de cobertura vegetal desde os anos 1990.

A maior parte da destruição ocorreu em áreas públicas não destinadas, onde a ausência do Estado abriu espaço para grilagem, madeireiros ilegais e pecuaristas.

Área de floresta da Estação Ecológica Soldado da Borracha, em Cujubim, Rondônia, cercada por posseiros: destruição é total
Área de floresta da Estação Ecológica Soldado da Borracha, em Cujubim, Rondônia, cercada por posseiros: destruição é totalErnesto Neves/VEJA

Estação Ecológica Soldado da Borracha: uma história de abandono

Criada em 2005, a Estação Ecológica Soldado da Borracha tinha como missão proteger uma das últimas grandes porções contínuas de floresta em Porto Velho.

O nome da reserva é uma homenagem aos seringueiros recrutados durante a Segunda Guerra Mundial, que extraíram borracha para os aliados.

Continua após a publicidade

Mas a história da unidade é marcada pelo abandono: o posto de vigilância foi desativado, fiscais enfrentam ameaças constantes e o território foi ocupado por grileiros e pecuaristas. Hoje, mais de 70% da área — cerca de 160 mil hectares — já foi desmatada.

A reserva se tornou, segundo especialistas e servidores do Ibama, “um laboratório da grilagem”.

Se essa área desmoronar, qualquer outra unidade de conservação pode ser vulnerável a invasões.

O descuido com a Soldado da Borracha é um reflexo do que muitos chamam de falência da política ambiental de Rondônia, onde a expansão econômica se sobrepõe à proteção legal da floresta.

Fiscalização nula: cartaz alerta para queimadas. Em volta dele, toda a floresta virou cinzas
Fiscalização nula: cartaz alerta para queimadas. Em volta dele, toda a floresta virou cinzasErnesto Neves/VEJA
Continua após a publicidade

A história de ocupação de Rondônia e seus impactos

A ocupação humana em Rondônia acelerou nos anos 1970, com projetos de colonização promovidos pelo governo federal e financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Estradas foram abertas para integrar a região ao restante do país e incentivar a produção agrícola e pecuária.

O resultado foi devastador: áreas contínuas de floresta foram fragmentadas, rios sofreram assoreamento e poluição, e a biodiversidade perdeu corredores essenciais para a circulação de espécies.

A lógica de ocupação era simples: derrubar, ocupar e produzir. A expansão da pecuária é, até hoje, o principal motor do desmatamento.

Mais de 70% das áreas abertas deram lugar a pastos, que hoje somam quase o dobro da área de florestas remanescentes, e Rondônia abriga o maior rebanho bovino por hectare da Amazônia.

Continua após a publicidade

Cada estradinha que corta a floresta prepara o terreno para o próximo ciclo de destruição, criando um efeito cascata sobre o ecossistema.

Gado no lugar da mata: em plena área de preservação, o que se vê são pastagens
Gado no lugar da mata: em plena área de preservação, o que se vê são pastagensErnesto Neves/VEJA

Consequências da destruição da floresta

O avanço do desmatamento em Rondônia vai além da perda de árvores. A destruição altera o ciclo das chuvas, eleva a temperatura local, reduz a fertilidade do solo e ameaça a subsistência de comunidades tradicionais e indígenas, que dependem da floresta para caçar, pescar e coletar alimentos.

Territórios como a TI Uru-Eu-Wau-Wau e a Reserva Extrativista Jaci-Paraná estão sob pressão constante.

Em Jaci-Paraná, mais de 70% da vegetação original já foi devastada, evidenciando o avanço da ilegalidade sobre áreas que deveriam funcionar como barreiras ecológicas.

Continua após a publicidade

Pesquisadores alertam para o risco do ponto de não retorno, quando a floresta perde sua capacidade de regeneração e parte da Amazônia pode se transformar em savana degradada, com perda irreversível de biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Além do impacto ambiental, a destruição também agrava conflitos sociais, pois a expansão de pastos e plantações ocupa terras de comunidades tradicionais e aumenta disputas por território.

Iniciativas de preservação ainda resistem

Apesar do cenário crítico, há experiências que tentam reverter o quadro.

Projetos de manejo sustentável, reflorestamento e créditos de carbono começam a ganhar espaço em Rondônia, mostrando que é possível conciliar conservação e desenvolvimento econômico.

Mas o caminho é árduo: falta de apoio público, desconfiança local e a pressão constante de pecuaristas tornam essas iniciativas desafiadoras.

Continua após a publicidade

Rondônia sintetiza o dilema amazônico: é a fronteira agrícola que mais avança e, ao mesmo tempo, o laboratório onde se percebe com clareza a urgência de um novo modelo de desenvolvimento, capaz de proteger a floresta, gerar riqueza e sustentar as comunidades que dela dependem.

Incêndio na região de Jamari, próximo a Porto Velho, Rondônia: fumaça tóxica afeta diretamente São Paulo
Incêndio na região de Jamari, próximo a Porto Velho, Rondônia, em 2024: fumaça tóxica chegou a São PauloVeja/VEJA
Publicidade

About admin