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Por que o diploma não basta na era dos múltiplos empregos

Em um mercado de trabalho redesenhado por mudanças tecnológicas, fragmentação geopolítica, instabilidades econômicas e trajetórias profissionais cada vez menos lineares, preparar jovens para o futuro deixou de ser apenas uma questão educacional e passou a ser um desafio social e econômico. A resposta a esse cenário não vem apenas de reformas curriculares ou políticas públicas tradicionais, mas também de iniciativas que atuam na interseção entre escola, trabalho e desigualdade – espaço em que se insere a Junior Achievement (JA), uma das maiores organizações não governamentais do mundo voltadas à formação de jovens para o empreendedorismo, a educação financeira e a inserção profissional.

À frente da entidade está Asheesh Advani, CEO da JA e um dos principais formuladores do debate global sobre novas formas de aprendizagem e sucesso profissional. Autor do livro Modern Achievement: A New Approach to Timeless Lessons for Aspiring Leaders (Realização Moderna: Uma Nova Abordagem para Lições Atemporais para Aspirantes a Líderes, na tradução para o português), Advani defende que diplomas, sozinhos, já não bastam. Em um mundo em que jovens devem ter, em média, 20 empregos e até sete carreiras ao longo da vida, aprender fazendo, e aprender a se adaptar, será tão importante quanto o conteúdo ensinado em sala de aula.

No Brasil, onde a desigualdade educacional impõe barreiras estruturais à mobilidade social, a JA encontrou um de seus campos de atuação mais desafiadores, e estratégicos. A organização está presente em 20 estados, com projetos que vão da Amazônia ao Sul do país, e mantém atuação contínua há mais de duas décadas em regiões historicamente afastadas das políticas tradicionais de formação profissional. 

O modelo combina parcerias com empresas, voluntariado executivo e acordos com governos estaduais. Em estados como o Ceará, a entidade integra o contraturno da rede pública, oferecendo ao longo do ano conteúdos de empreendedorismo, preparação para o mercado de trabalho e educação financeira. Experiências semelhantes já existem no Rio de Janeiro e em outras unidades da federação, ainda que em escala aquém do potencial.

Globalmente, a JÁ opera em mais de 100 países com uma rede de mais de 6 mil conselheiros voluntários, formada por empresários e líderes locais. No Brasil, são cerca de 300 conselheiros, que mantêm viva uma operação com mais de 40 anos de história. “Quando as pessoas se envolvem com a JA, elas tendem a ficar. O impacto é concreto”, diz o CEO.

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O plano estratégico da organização prevê alcançar 10% da população jovem nos territórios onde atua. No Brasil, isso significaria chegar a cerca de 5 milhões de jovens por ano, uma meta distante, que depende diretamente da ampliação de parcerias com governos, empresas e outras organizações da sociedade civil. É sobre esse desafio, e sobre o papel da educação em um mundo atravessado por tecnologia, desigualdade e mudanças aceleradas, que Asheesh Advani fala na entrevista a seguir.

A ascensão da inteligência artificial está redesenhando o mercado de trabalho em ritmo acelerado. Para a nova geração, a IA representa sobretudo uma ameaça ou uma oportunidade? A IA é, ao mesmo tempo, um grande desafio e uma enorme oportunidade. De um lado, ela vai eliminar muitas funções e transformar profundamente o mercado de trabalho. De outro, está criando novas ocupações, novas carreiras e novas formas de gerar valor, especialmente para quem adota o uso responsável da tecnologia.

Quais habilidades são essenciais para os jovens nessa nova era? As habilidades de pensamento crítico são hoje mais importantes do que nunca. Os jovens precisam saber questionar o que a inteligência artificial lhes apresenta – entender de onde vêm os dados, como as respostas são construídas e quais vieses podem estar embutidos nesses sistemas. Em um mundo cada vez mais moldado pela IA, a capacidade de analisar, questionar e interpretar informações deixou de ser opcional e passou a ser fundamental.

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A geração Z e os millenials têm visões diferentes sobre o que é sucesso? Existem diferenças, sim, mas eu não vejo isso apenas como uma divisão geracional. Ao viajar pelo mundo, percebo que a percepção de sucesso é influenciada por muitos outros fatores: renda, acesso a oportunidades, localização geográfica, diferenças entre áreas urbanas e rurais, entre países grandes e pequenos. O que acredito é que a definição de sucesso evolui ao longo da vida. Quando somos jovens, sucesso pode significar boas notas na escola ou muitas amizades. Nos 20 e 30 anos, tende a estar associado a conquistar um bom primeiro emprego e obter reconhecimento profissional e familiar. Com o passar do tempo, essa definição muda novamente: sucesso passa a estar mais ligado a propósito, significado e contribuição para a sociedade.

Existe algum estudo por trás dessas suas conclusões? Sim, eu exploro essa ideia no meu livro Modern Achievement. Hoje, estima-se que jovens que estão saindo da escola terão, em média, cerca de 20 empregos e até sete carreiras ao longo da vida. Nesse contexto, não faz sentido definir sucesso apenas como a conquista de metas distantes. É preciso enxergá-lo também como a capacidade de aproveitar o processo, aprender ao longo da jornada e encontrar realização no caminho.

Pesquisas mostram que muitos jovens estão mais pessimistas sobre o futuro profissional, dada a dificuldade de entrarem e permanecerem no mercado. Que caminhos podem ajudar a reconstruir a confiança? Nossa missão é ajudar os jovens a fazer a transição do “eu não posso” para o “eu posso”. O que muitas vezes é interpretado como pessimismo é, na verdade, falta de experiências concretas que construam confiança e otimismo. Quando os jovens aprendem fazendo e acumulam vivências práticas, essa percepção muda. No Brasil, por exemplo, temos programas de empreendedorismo que permitem que jovens, desde muito cedo, se enxerguem como criadores de oportunidades, e não apenas como candidatos a vagas existentes.

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O empreendedorismo é um desses importantes elos na construção da confiança? Sim. O nosso papel é ajudar a reduzir essa lacuna por meio do estímulo do empreendedorismo, levando nossos programas às escolas públicas. Trabalhamos para desenvolver confiança, habilidades práticas e competências essenciais para que esses jovens tenham condições reais de prosperar no mundo do trabalho. Quando alguém acredita que pode criar um negócio, para si e para outros, a mentalidade se transforma. O resultado é uma postura mais otimista e proativa diante do futuro.

Quais são os principais gargalos na educação enfrentados pelos jovens no Brasil? O maior gargalo no Brasil é a profunda desigualdade entre o ensino público e o privado. Cerca de 30% dos estudantes estão em escolas privadas que, em geral, formam jovens muito bem preparados para o mercado de trabalho. Já a maior parte da rede pública carece de ferramentas, infraestrutura e recursos para oferecer o mesmo nível de formação.

Como universidades e escolas podem preparar os jovens para o futuro? Uma das maneiras mais eficazes, e também mais simples, é investir em aprendizagem experiencial. Isso inclui estágios, programas de aprendizagem, projetos práticos, cooperativas acadêmicas, clubes e atividades extracurriculares integradas à formação. Quando a educação se limita ao conteúdo acadêmico, sem conexão com a prática e com o mundo do trabalho, perde-se uma oportunidade valiosa. Os jovens precisam sentir que têm um futuro econômico possível – para si, para suas famílias e para suas comunidades.

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Quais são os principais desafios da JA para cumprir essa missão? Os desafios são muitos. Somos uma organização movida por voluntários e por apoiadores financeiros – empresas, pequenos negócios, indivíduos e governos. Esse apoio é essencial para manter nossos programas gratuitos e acessíveis aos jovens. Fazemos isso há décadas, com consistência e impacto, mas a necessidade de apoio é permanente. No Brasil, além de ampliar a conscientização sobre nosso trabalho, outro desafio importante é fortalecer a relação com os governos. Como oferecemos nossos programas gratuitamente, dependemos da abertura das escolas públicas e das salas de aula. Em alguns estados, esse acesso ainda é limitado.

Como a JA mede seu impacto? Medimos nosso impacto de três formas principais. A primeira é por meio de estudos com ex-alunos, acompanhando resultados de longo prazo, como geração de empregos, empreendedorismo e empregabilidade. A segunda é a avaliação antes e depois dos programas, medindo mudanças em habilidades e mentalidade. A terceira envolve análises preditivas, baseadas em pesquisas independentes e robustas, para garantir que estamos desenvolvendo competências comprovadamente associadas a melhores resultados, como comunicação e autoeficácia.

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