Enquanto o planeta enfrenta guerras, crises políticas e uma fragmentação crescente das democracias, um movimento silencioso, porém profundo, começa a redesenhar o futuro energético global.
Diversos analistas já apontam que o mundo pode estar prestes a atingir o pico da demanda por petróleo, não por falta de oferta, mas por uma mudança estrutural no consumo.
Se confirmada, essa virada marca o início do declínio do principal combustível da economia moderna e o começo de uma disputa por quem dominará a era pós-carbono.

A virada chinesa
Durante três décadas, a China foi o grande motor do consumo de petróleo no planeta. Entre 2010 e 2020, suas importações dobraram, alcançando 10 milhões de barris por dia e sustentando o equilíbrio dos mercados internacionais.
Mas essa engrenagem começa a desacelerar.
A primeira razão é demográfica: a população chinesa atingiu o pico durante a pandemia e já encolheu cerca de 25 milhões de pessoas, o equivalente à soma da Dinamarca, Suécia e Noruega.
Menos habitantes e um crescimento econômico mais lento significam menor consumo de gasolina e diesel.
A segunda é tecnológica. Em apenas cinco anos, os veículos elétricos passaram de 5% para mais de 50% das vendas de carros novos no país.
Isso transformou o maior mercado consumidor de combustíveis fósseis do mundo em um campo de eletrificação em massa.
E há ainda a revolução energética. Pequim vem eletrificando o aquecimento, a indústria pesada e instalando capacidade renovável em ritmo recorde.
Somente no primeiro semestre de 2025, foram adicionados 270 gigawatts em novas fontes limpas, mais do que todo o restante do mundo combinado no mesmo período.
Com isso, analistas acreditam que a demanda chinesa por petróleo já atingiu o teto e pode entrar em declínio estrutural ainda neste ano.

Índia: o sucessor improvável
Na teoria, a Índia poderia ocupar o espaço deixado pela China. Na prática, enfrenta limitações. O crescimento do consumo de petróleo indiano é desigual e prejudicado por gargalos de infraestrutura.
Além disso, o país tem uma economia baseada em serviços, menos dependente de setores intensivos em óleo, como construção e petroquímica.
O governo de Nova Déli aposta em metas ambiciosas de eletrificação: pretende que um terço dos novos automóveis vendidos até 2030 sejam elétricos.
Mesmo que o objetivo não seja alcançado integralmente, a direção é clara. O resultado é que a Índia dificilmente substituirá o papel chinês como motor da demanda global.
O excesso de oferta e o paradoxo dos produtores
Enquanto a demanda se estabiliza, os grandes produtores de petróleo reagem de maneira contraintuitiva: aumentam a oferta.
A Arábia Saudita e seus aliados da OPEP+ devem elevar a produção em mais de 1 milhão de barris por dia, numa tentativa de recuperar espaço de mercado e pressionar concorrentes.
Nos Estados Unidos, a produção atingiu recordes no último verão e tende a se manter elevada, sustentada pela eficiência e consolidação das empresas de xisto.
No Atlântico, Brasil e Guiana seguem adicionando barris offshore de baixo custo. A Noruega, por sua vez, mantém o fluxo constante para a Europa, praticamente imune à volatilidade dos preços.
Essa combinação de oferta abundante e demanda em desaceleração indica um cenário de preços mais baixos e margens menores para países cuja economia depende de petróleo caro, especialmente os que precisam de cotações acima de US$ 80 para equilibrar seus orçamentos.

Vencedores, perdedores e novos poderes
Para os consumidores, esse novo quadro é um alívio: economias importadoras da Ásia, Europa e América do Sul devem se beneficiar de custos energéticos mais baixos.
Já para os produtores, a conta pode ser amarga. Países que dependem fortemente do petróleo precisarão se reinventar ou enfrentar crises fiscais severas.
No tabuleiro geopolítico, a China surge como vencedora da transição. O país, que há pouco mais de uma década era o maior dependente de combustíveis fósseis, tornou-se o primeiro “eletroestado” do mundo.
Domina cadeias de baterias, painéis solares, veículos elétricos e minerais críticos — um poder que ultrapassa a energia e alcança a inteligência artificial e a segurança nacional.
Os Estados Unidos, ao contrário, arriscam perder protagonismo ao insistir em políticas de incentivo aos combustíveis fósseis, enquanto sua competitividade tecnológica diminui. Em um mundo movido a elétrons, essa pode ser uma desvantagem estratégica.
O dilema da transição
A perspectiva de pico do petróleo é boa notícia para o clima, mas longe de ser uma solução definitiva. Setores como aviação, transporte marítimo e petroquímica ainda dependem fortemente de combustíveis fósseis.
Além disso, a eletrificação global exige investimentos colossais em redes elétricas, armazenamento e infraestrutura de recarga.
Com crescimento econômico fraco e juros altos, muitos governos enfrentam dificuldade para financiar a transição.
Ao mesmo tempo, interesses consolidados, empresas de energia, lobbies industriais e países exportadores, resistem a mudanças que ameaçam seus modelos de negócio.
O risco é que a transição energética seja desigual e lenta, reproduzindo injustiças históricas: países pobres arcando com custos desproporcionais, enquanto as grandes potências disputam o comando da nova economia verde.
A COP30 e o Brasil no centro do debate
É nesse cenário que o Brasil se prepara para sediar, entre 10 e 21 de novembro, a COP30, em Belém (PA). A conferência deve reunir quase 200 países e colocar a Amazônia no centro da geopolítica climática.
A pauta oficial inclui temas conhecidos, metas de redução de emissões, adaptação climática, financiamento e tecnologia, mas o foco recairá sobre justiça climática e bioeconomia, áreas em que o país tenta se apresentar como líder.
As últimas semanas, porém, foram marcadas por polêmicas. Países reclamam dos altos preços de hospedagem em Belém, que chegaram a custar até 20 vezes mais do que o normal.
O Brasil rejeitou subsídios propostos pela ONU para bancar delegações de países mais pobres, o que gerou desconforto diplomático.
Também há preocupações logísticas, com capacidade hoteleira limitada e críticas de que o evento possa se concentrar demais na vitrine e pouco na substância.
No campo das negociações, um plano de financiamento climático global, o “Baku a Belém Roadmap”, propõe elevar o volume de recursos internacionais para US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.
Paralelamente, um rascunho vazado indica que o Brasil deve propor que os países quadripliquem o uso de biocombustíveis e e-fuels até 2034, medida vista por ambientalistas como um risco à integridade florestal se não houver salvaguardas robustas.
Outro destaque será o lançamento do Tropical Forest Forever Facility, fundo de US$ 125 bilhões destinado à preservação de florestas tropicais, com foco especial na Amazônia, no Congo e no Sudeste Asiático.
O que está em jogo
A COP30 será o grande teste do Brasil como articulador político e exemplo prático de desenvolvimento sustentável. O sucesso ou fracasso do encontro pode definir o ritmo da ação climática global nos próximos anos.
Se o mundo realmente estiver chegando ao pico da demanda por petróleo, a transição energética deixará de ser uma hipótese distante e passará a ser uma disputa por poder, tecnologia e influência.