Para a Maserati, o ano de 2025 marcaria uma celebrada virada de chave. Pela primeira vez, a tradicional fabricante italiana de carros esportivos levaria ao mercado um veículo totalmente elétrico, dando adeus aos motores a combustão. O projeto era antigo. Havia sido anunciado pela primeira vez em 2020, quando a empresa lançou o MC20, então movido a combustíveis fósseis. Era a base para um modelo inédito, o MC20 Folgore, com três motores elétricos capazes de produzir impressionantes 730 cavalos de potência. O projeto, contudo, foi cancelado. A ruidosa decisão está relacionada a um corte de 1,5 bilhão de euros feito pela Stellantis, o grupo que controla a Maserati, no orçamento da empresa. A justificativa oficial cita o declínio das vendas da marca na China, seu segundo maior mercado. Há, contudo, outro fator determinante na interrupção, de cunho histórico e atávico: a falta de interesse de compradores em um esportivo elétrico.
Não é caso isolado. A Ferrari havia prometido mostrar ao mundo o inaugural modelo eletrificado em outubro deste ano, em tiragem pequena, mas a apresentação foi empurrada para 2026 — indício de haver algo muito errado. Depois dele, um segundo carro esportivo elétrico com o cavalo rampante no capô seria lançado, dessa vez em uma escala maior, para cativar público mais amplo. Esse segundo modelo plugado foi adiado indefinidamente. A justificativa? A mesma, por haver “zero” interesse do mercado em máquinas sem a pegada e o ronco quase romântico, ainda que passadista para os humores atuais, do barulhento e poderoso motor. Não basta, enfim, o mítico logotipo da Ferrari. A sonoridade projetada pelo escapamento é parte da aventura.

Outras montadoras de esportivos repensam as estratégias de eletrificação, como a britânica Lotus, que também cancelou o desenvolvimento do Type 135 e agora deve apostar em híbridos. Na corrida, em desalinho com as preocupações ambientais de nosso tempo, as linhas de montagem de motores convencionais entregam boas notícias. A Ferrari, para não perdermos a marcha, apresentou a F80 no ano passado celebrando o ápice da engenharia italiana. Serão fabricadas apenas 799 unidades — e todas elas já foram vendidas antes mesmo de a linha de produção ser deflagrada. A sueca Koenigsegg é outra a celebrar. Conhecida por seus hipercarros de fichas técnicas impressionantes, como o Sadair’s Spear, cujo motor biturbo de 5 litros produz 1 602 cavalos de potência, vendeu absolutamente todo o seu estoque, presente e futuro. Agora, simplesmente não consegue atender aos bilionários que fazem fila.
Uma solução, como sempre, seria o meio do caminho, modo de atender às duas pontas da estrada. A Porsche tem modelos para todos os gostos. Quem prefere a sonoridade da queima de combustível conta com o lendário 911, que acabou de ganhar uma nova geração, ainda mais potente. Os mais aventureiros podem optar pelo elétrico Taycan Turbo GT Weissach, com mais de 1 000 cavalos, que acelera até 100 quilômetros por hora em 2,2 segundos. Mas o caso da alemã é pouco comum nesse concorrido nicho.

No setor, quem está disposto a desembolsar alguns milhões de dólares e aguardar anos pela entrega do carro quer mais do que uma resposta rápida do acelerador. Christian von Koenigsegg, fundador e CEO da empresa sueca, resume o que esperar da experiência de estar ao volante de um veículo. “O apetite do mercado por carros totalmente elétricos é extremamente baixo. Eu mesmo experimentei por muitos anos e adoro a resposta, a suavidade e a facilidade de conviver com eles”, disse o empresário ao programa Top Gear. “Mas, depois de um tempo, você quer sentir algo, quer conversar com a fera, quer ter um diálogo. Quer a pulsação, a potência, o calor, as trocas de marcha, todos os aspectos que simplesmente dão vida a um carro.” Os elétricos também são vivos, mas ainda são atropelados pela cultura do ronco.
Publicado em VEJA de 4 de julho de 2025, edição nº 2951