counter Por que Brian Wilson, dos Beach Boys, foi um gênio trágico do pop – Forsething

Por que Brian Wilson, dos Beach Boys, foi um gênio trágico do pop

Em 1965, os californianos da banda The Beach Boys dominavam as paradas com canções harmonicamente bem elaboradas, mas de letras pueris que falavam sobre surfe, garotas e celebravam o clima da ensolarada Costa Oeste dos Estados Unidos, como Surfin’ USA e Fun, Fun, Fun. Foi como uma epifania, após uma viagem de LSD, que o vocalista e compositor Brian Wilson ouviu o então recém-­lançado álbum dos Beatles, Rubber Soul — e tudo mudou. “Fiquei impressionado e, realmente, me senti desafiado a fazer um grande álbum”, disse Wilson em 2007. A partir de então, ele parou de fazer turnês e se enfurnou no estúdio com os colegas de banda, acompanhado de instrumentos não convencionais e tudo o que pudesse produzir som, desde garrafas de refrigerante até sinos de bicicleta. O resultado foi Pet Sounds, disco que à época foi um fracasso comercial, mas com o tempo se mostrou um dos mais geniais e influentes da história — senão a mais perfeita de todas as pérolas do pop, na visão de muitos.

DOR - Na maturidade: mente abalada
DOR - Na maturidade: mente abaladaHarry Langdon/Getty Images

Wilson — que teve sua morte anunciada na quarta-feira 11, aos 82 anos — não só havia atingido seu objetivo de fazer um grande álbum, como inovou a música pop com seus arranjos e harmonias sofisticados, além do uso pioneiro de elementos orquestrais. Uma alquimia tão singular que influenciou os próprios Beatles — com quem os Beach Boys passaram a nutrir um saboroso misto de rivalidade e rasgação de seda mútua. Paul McCartney já declarou que, sem Pet Sounds, o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band jamais existiria.

Ao longo da carreira, os Beach Boys venderam mais de 65 milhões de discos. No auge, logo após Pet Sounds, Wilson era celebrado como um dos mais inventivos músicos no estúdio. Bob Dylan chegou a dizer que o ouvido dele era tão refinado que deveria “ser doado ao Smith­sonian”, em referência ao famoso museu americano. Nascido em Ingle­wood, na Califórnia, a poucos quilômetros da praia, ele formou os Beach Boys com seus irmãos Dennis e Carl Wilson, o primo Mike Love e o amigo Alan Jardine. Sem saber sobre o que escrever, compôs letras sobre o surfe, nova mania das praias na época. Curiosamente, Wilson nunca surfou: quando tentou, levou uma pancada da prancha na cabeça.

SOLAR - Com os amigos dos Beach Boys: a banda celebrava o surfe e a Califórnia
SOLAR - Com os amigos dos Beach Boys: a banda celebrava o surfe e a CalifórniaHulton Archive/Getty Images
Continua após a publicidade

Wilson atingiu a glória musical cedo, aos 22 anos — mas o sucesso se revelou nos anos seguintes um fardo capaz de consumir seu talento e saúde mental. A vida começou a sair do prumo pouco depois do lançamento de sua obra-prima. Ainda em 1966, Wilson se jogou no consumo de LSD e, durante suas viagens psicodélicas, voltou ao estúdio com objetivo de compor outro disco. Deu tudo errado. Os meses de gravação foram repletos de excentricidades e o trabalho jamais foi lançado. Além dos problemas com drogas, Wilson nunca superou os tormentos causados por seu pai abusivo. Certa vez, como punição, Murry Wilson, que era cego de um olho, chegou a tirar sua prótese de vidro e forçou o filho a olhar para a órbita vazia. “Meu pai era violento”, disse Brian em sua autobiografia, lançada em 2016.

Após uma série de colapsos mentais, Wilson passou a se tratar com um psicoterapeuta controlador, Eugene Landy, cujos métodos pouco ortodoxos em nada colaboraram. Landy chegou, inclusive, a assumir os créditos de algumas de suas composições. Nos anos seguintes, Wilson teve uma significativa piora. Ao longo da vida, o músico falou abertamente sobre seus tormentos, afirmando sofrer de transtorno esquizoafetivo, o que lhe causava alucinações e delírios. Nos anos 1990, os Beach Boys iniciaram uma série de turnês comemorativas, mas o estado de Wilson inspirava consternação. Era comum vê-lo com expressão vazia no palco. Nas entrevistas, dava declarações erráticas. A demência piorou com a morte da esposa, Melinda, em 2024: diante de seu “grande distúrbio neurocognitivo”, a Justiça americana determinou sua interdição legal. A família não revelou a causa de sua morte. Certo é que a música pop perdeu um de seus maiores e mais trágicos gênios.

Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948

Publicidade

About admin