O Brasil pode estar às turras com Washington, mas encontrou um aliado improvável ao sul do continente. Em meio à escalada protecionista dos Estados Unidos – que ameaça impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros -, a Argentina abriu suas portas para os bens brasileiros como não se via há décadas. No primeiro semestre de 2025, as exportações do Brasil para o país vizinho cresceram 55,4%, atingindo US$ 9,1 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Entre os produtos que mais cruzaram a fronteira estão os veículos de passageiros, responsáveis por 21,6% das exportações brasileiras ao país, seguidos por autopeças (9,7%) e caminhões e furgões de carga (6,4%). Mas o que chama atenção é a exportação de carne bovina – antes quase inexistente nos mercados argentinos -, que teve uma ascensão notável. No primeiro semestre de 2024, a Argentina havia comprado cerca de US$ 1 milhão em cortes bovinos do Brasil. Um ano depois, esse número saltou para US$ 22,9 milhões. Embora o montante ainda represente meros 0,25% da pauta exportadora brasileira, o crescimento acelerado é sintomático. Frigoríficos internacionais com operações no país passaram a importar cortes frescos, refrigerados e congelados diretamente do Brasil, não apenas para uso industrial, mas também para venda direta ao consumidor. Não chega a ameaçar a robusta indústria de carnes local, mas levanta sobrancelhas num país que tradicionalmente se orgulha de sua autossuficiência e excelência bovina.
O pano de fundo para essa guinada é a reestruturação macroeconômica promovida por Javier Milei. A valorização do peso, antes um pesadelo cambial, facilitou a importação de insumos e bens de consumo, barateando produtos estrangeiros nas prateleiras. A queda da inflação, embora ainda frágil, trouxe previsibilidade aos contratos. Além disso, consumidores argentinos redescobriram o prazer de comprar fora: e-commerces estrangeiros e cidades de fronteira tornaram-se destinos recorrentes para compras de roupas, eletrônicos e até alimentos.
Para o Brasil, a guinada argentina representa uma oportunidade estratégica num momento de incertezas globais. Com os Estados Unidos erguendo barreiras e a China oferecendo uma concorrência feroz, vender para o vizinho do lado pode ser tanto uma necessidade quanto uma chance de consolidar laços econômicos mais profundos. A travessia, ao que tudo indica, está só começando.